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Bolsonarismo elege alvos ‘pop’ para a guerra política digital

Enquanto o governo do presidente Jair Bolsonaro atuava para impedir a instalação de uma CPI para apurar suspeitas de corrupção do Ministério da Educação, a base do presidente nas redes sociais voltou suas atenções e sua mira digital, no início da semana passada, para uma personalidade sem qualquer relação com o Congresso ou com as […]

17 de abril de 2022

Reportagem de: O Diário

Enquanto o governo do presidente Jair Bolsonaro atuava para impedir a instalação de uma CPI para apurar suspeitas de corrupção do Ministério da Educação, a base do presidente nas redes sociais voltou suas atenções e sua mira digital, no início da semana passada, para uma personalidade sem qualquer relação com o Congresso ou com as articulações da política tradicional: a atriz Taís Araújo. A reação bolsonarista ocorreu após ela classificar a gestão do presidente como “quatro anos infernais”.

O caso demonstra não apenas a força e relevância que celebridades e influenciadores digitais cada vez mais têm no debate político, principalmente nas plataformas digitais, mas como o meio artístico se transformou, a exemplo das Cortes superiores, em alvo preferencial do bolsonarismo. A estratégia tem diferentes propósitos: desviar o debate de assuntos incômodos e, ao mesmo tempo, ajudar tanto a mobilizar a base do presidente quanto a atingir eleitores que não integram o núcleo duro bolsonarista e estão atentos a agendas mais conservadoras.

Somente este ano, além de Taís Araújo, influenciadores e parlamentares alinhados ao presidente já impulsionaram ataques e campanhas contra nomes como os das cantoras Anitta e Pabllo Vittar e dos humoristas Danilo Gentili e Fábio Porchat. Antes disso, o youtuber Felipe Neto vinha ocupando esse papel com frequência. Na maioria das vezes, a reação ocorre após declarações críticas ao governo. Os ataques lançam mão principalmente de desinformações sobre a Lei Rouanet, lei de incentivo à cultura em vigor desde 1991 e que autoriza investimento privado com desconto em tributos para financiar iniciativas culturais.

No caso de Taís Araújo, a reação veio por meio do ex-secretário especial da cultura Mario Frias e do ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo, mas não ficou restrita a eles. Um levantamento feito pelo GLOBO com base em dados do CrowdTangle, ferramenta de monitoramento de redes da Meta, aponta que perfis bolsonaristas concentraram a maior parte das postagens com maior engajamento no Facebook e Instagram sobre a atriz entre 11 e 13 de abril. Apenas as 30 publicações bolsonaristas com maior circulação somaram 270 mil curtidas, compartilhamentos e comentários, além de 852 mil visualizações de vídeo. Os destaques foram os deputados Marco Feliciano (PL-SP) e Carlos Jordy (PL-RJ).

Os ataques se estenderam ainda ao ator Lázaro Ramos, marido de Taís e diretor do filme “Medida Provisória”. Em entrevista ao “Roda Viva”, da TV Cultura, na última segunda-feira, Lázaro comentou a resposta bolsonarista, que classificou como uma “cortina de fumaça”:

— Isso é campanha política para chamar a atenção em cima de nós, que temos relevância e público. Isso vai tirar, inclusive, o foco dos problemas do governo. É uma cortina de fumaça, para as pessoas não debaterem os preços da gasolina, dos alimentos.

Outro alvo frequente do bolsonarismo é Anitta. Um levantamento do GLOBO em parceria com a consultoria Bites mostrou que, só na bancada bolsonarista no Congresso, 22 deputados e senadores publicaram postagens sobre a cantora no Twitter desde dezembro. De um grupo de 3,5 mil perfis de bolsonaristas influentes analisados, quase metade (1.678) atacou Anitta no período.

A cantora foi responsável por ampliar a mobilização de artistas nas redes sociais para que jovens de 16 e 17 anos tirem o título de eleitor. Uma de suas postagens sobre o tema, no dia 23 de março, teve quase 30 mil compartilhamentos no Twitter. No dia seguinte, com a repercussão do single “Envolver” e a mobilização para a música chegar ao top 1 no Spotify, a cantora pediu o mesmo empenho dos seguidores para que Bolsonaro fosse derrotado nas eleições deste ano.

Os ataques a artistas, em geral, abordam temas morais e envolvem a chamada “guerra cultural”. Um exemplo foi a mobilização contra o filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, com Danilo Gentili e Fábio Porchat, falsamente acusado de fazer apologia à pedofilia. O mesmo discurso já foi mobilizado contra Felipe Neto.

Nem sempre, porém, a base bolsonarista tem conseguido dominar os debates. Um exemplo foi a campanha a favor da decisão do ministro do TSE Raul Araújo, que atendeu a um pedido do PL para proibir manifestações políticas no festival Lollapalooza, em São Paulo. A medida ocorreu após a cantora Pabllo Vittar levantar em seu show uma bandeira com a foto do ex-presidente Lula. Segundo análise da consultoria Arquimedes, 84% dos posts sobre o Lollapalooza no Twitter que citaram o TSE consideraram a decisão uma forma de censura.

Professor de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia e de Harvard, o pesquisador David Nemer destaca que artistas e influenciadores se tornaram alvos do bolsonarismo à medida que ocuparam um vácuo deixado pela oposição ao presidente, que tem mais dificuldade de se comunicar no ambiente das redes:

 — A criação do inimigo funciona perfeitamente nas redes e serve para que a base bolsonarista continue viva. Quando esse inimigo está na mesma plataforma, isso se intensifica. Além disso, esses influenciadores têm um papel fundamental na comunicação com o eleitorado mais jovem, mais apegados a causas específicas.
Diretora do Internetlab, centro de pesquisa independente em direito e tecnologia, Heloisa Massaro avalia que muitos artistas se sentem responsáveis por se posicionar politicamente pelo momento de crise política, mas também porque são cobrados por seus públicos a se manifestar. Ela ressalta que esse movimento tem como pano de fundo a mudança no debate político, que passa a contar com uma participação maior nas discussões dos usuários comuns com a internet.

— É uma relação de dois lados. Há uma cobrança para se posicionar e, quando esse artista se posiciona e isso chega mais longe, há uma disputa de narrativas do outro lado, que vai tentar minimizar aquilo ou deslegitimar aquele posicionamento para defender o próprio posicionamento. Discordar é algo saudável e necessário para o debate público, mas o problema acontece quando há ataques que podem começar a silenciar as vozes, quando esses ataques colocam em risco a liberdade de expressão daquele artista e colocam em risco sua integridade física e psíquica, com o objetivo de deturpar o debate.

Taís Araújo 
A atriz entrou na mira da base bolsonarista, após criticar o atual governo em entrevista recente sobre o filme “Medida Provisória, em que classificou o mandato de Jair Bolsonaro como “quatro anos infernais”. As 30 postagens de bolsonaristas, entre 11 e 13 de abril, com ataques a ela de maior impacto no Facebook e Instagram somaram 270 mil curtidas, compartilhamentos e comentários, além de 852 mil visualizações de vídeo.

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