Ao tomar conhecimento das manifestações governamentais de São Paulo (Governador do Estado e Prefeito da Capital), suprimindo a gratuidade do transporte coletivo aos idosos entre 60 e 65 anos (que poderão contaminar outros municípios), lembrei dos seguintes primeiros versos do samba do compositor Noel Rosa: “Quem é você que não sabe o que diz, meu Deus do céu, que palpite infeliz...”. E isso porque tais manifestações agridem e contrariam expressas disposições legais, inclusive de natureza constitucional, previstas no artigo 5º (caput) e seu inciso XXXVI, da Constituição Federal, no parágrafo 2º do artigo 6º do Decreto Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ainda vigente), e nos artigos 1º e 4º da Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2010 (Estatuto do Idoso).
O artigo 1º do Estatuto do Idoso prescreve sua finalidade consistente em “...regular os direitos assegurados às pessoas com idade superior a 60 (sessenta) anos...”, dispondo expressamente em seu artigo 4º que “...nenhum idoso será objeto de qualquer discriminação...”, a não ser a prioridade especial conferida aos maiores de 80 (oitenta) anos, tal como prescreve no parágrafo 2º do seu artigo 3º.
Contudo, aos discriminar os idosos entre 60 e 65 anos, suprimindo - apenas desses - o direito à gratuidade nos transportes coletivos - benefício que lhes foi conferido pelo artigo 1º da Lei Estadual nº 15.187, de 29 de outubro de 2013 - a determinação governamental descumpriu a citada proibição de qualquer discriminação entre eles e, mais do que isso, violou o “caput” do artigo 5º da Constituição Federal que prescreve a igualdade de todos perante a lei, “...sem distinção de qualquer natureza...”. Mesmo que a determinação suprimindo a gratuidade tenha resultado de Lei Estadual, sua eficácia é contestável por violar o teor do inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, que dispõe: “XXXVI – a Lei não prejudicará o direito adquirido, ...” (grifei), assim considerado aquele que “...seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aquele cujo exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”, conforme disposto no parágrafo 2º do artigo 6º do referido Decreto Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.
A impressão que decorre desses atos governamentais é a de que seus autores não consultaram seus competentes assessores jurídicos antes de emiti-los ou, se consultaram, desprezaram as corretas orientações que certamente teriam deles recebido.
Presumo que o Ministério Público Estadual ou o Procon, o órgão de Proteção dos Direitos do Consumidor (qualquer deles ou ambos) – se já não o fizeram - estejam preparando as medidas judiciais cabíveis para a preservação dos direitos dos consumidores idosos, com mais de 60 (sessenta) anos, atingidos pela determinação supressiva da gratuidade que os beneficiava.
Mário Kauffmann é advogado especializado na área trabalhista empresarial do escritório Kauffmann Advogados Associados