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ARTIGO

Justiça e direito

'Ao invés de criar modelos de acordo com as medidas da justiça, os legisladores deformaram o corpo dela para que coubesse nos modelos que só servem aos próprios interesses'

João Anatalino Rodrigues
11/11/2023 às 08:15.
Atualizado em 11/11/2023 às 08:15

"A Justiça sobrevive escondida, no coração de quem tem ideais" (Imagem: Reprodução)

“Deus criou a Justiça; os homens inventaram o Direito. Os dois deveriam se casar E se tornar um par perfeito. A Justiça era uma mulher piedosa, que pensava com o coração, mas o Direito era um homem austero, que somente escutava a Razão. A Justiça buscava ver quase tudo, o Direito só via o que estava perto. Ela queria fazer pessoas felizes, ele queria somente estar certo. Como todo filho do homem, o Direito foi um dia “educado”, E passou a servir a quem manda, deixando a Justiça de lado. A desprezada esposa Justiça, do Direito hoje está divorciada. Aborrecida, de nome trocou: filosofia ela agora é chamada. O Direito também mudou de nome; Lei é o nome que ele adotou. Ele não tem coração nem entranhas, pois só faz o que quem manda ditou. Hoje o Direito é um produto, que se compra nos tribunais. A Justiça sobrevive escondida, no coração de quem tem ideais.”

Esse trecho do artigo do professor Olavo Câmara, em O Diário de Mogi, enfoca bem a questão do divórcio entre Justiça e Direito. Que não é de hoje. Rui Barbosa já reclamava desse descompasso na sua famosa “Oração aos Moços”, feita aos formandos da Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920. 

“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”, disse ele.

É verdade. O Direito foi criado pelos homens para servir à Justiça. Deveria ser uma espécie de modelito ideal para vestir o corpo dela com beleza e perfeição. Porque só o justo é belo. Mas aconteceu exatamente o contrário. Ao invés de criar modelos de acordo com as medidas da Justiça, os legisladores deformaram o corpo dela para que coubesse nos modelos que só servem aos seus próprios interesses. 

Por isso, aquela bela deusa que aparece na frente dos tribunais, com olhos vendados e uma balança nas mãos, tornou-se uma mulher gorda, feia e deformada, que só inspira constrangimento e desânimo no coração daqueles que gostariam de vê-la como símbolo de confiança e equanimidade.  

Isso ocorre porque Justiça é um conceito abstrato e Direito é uma fórmula concreta. E essa fórmula só é perfeita quando nela se coloca iguais doses de sensibilidade e razão.  Mas como conseguir esse resultado em uma civilização guiada pela bússola da ambição?

O professor Olavo está certo, assim como Rui Barbosa tinha razão em seu desconsolado queixume. Ele o fez com a esperança de que aqueles moços que se formavam em 1920 pudessem corrigir esse rumo. Ficou na esperança. Mas como ela é a última que morre, quem sabe ainda temos uma chance?

João Anatalino Rodrigues é escritor

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