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A missa e a cervejada do Narciso

O  ex-portuário e escritor Euclydes Campos e o vereador Narciso Yague Guimarães eram o que se podia chamar de amigos inseparáveis. Frequentadores habituais dos mesmos botecos do bairro do Shangai, eles tinham algo a mais em comum que o gosto pela cervejinha  bem gelada: o debate sobre a política nacional, mas especialmente a da cidade. […]

13 de março de 2021

Reportagem de: O Diário

O  ex-portuário e escritor Euclydes Campos e o vereador Narciso Yague Guimarães eram o que se podia chamar de amigos inseparáveis. Frequentadores habituais dos mesmos botecos do bairro do Shangai, eles tinham algo a mais em comum que o gosto pela cervejinha  bem gelada: o debate sobre a política nacional, mas especialmente a da cidade.
Entre o final da década de 70 e o início dos anos 80, durante a vigência do bipartidarismo estabelecido pela ditadura militar da época, Euclydes costumava lembrar dos embates sindicais do porto de Santos, enquanto Narciso comentava os desdobramentos e bastidores de suas atividades na Câmara.

De tão amigos, aceitaram, juntos, o convite da administração do então prefeito Waldemar Costa Filho para uma visita às obras da Mogi-Bertioga, em andamento nas proximidades do rio Guacá, em plena Serra do Mar.
O destino foi cruel. Na subida de uma íngreme encosta, a viatura que trazia Narciso e outros tantos convidados se descontrolou, voltou de ré e acabou capotando várias vezes, jogando para cima das pedras os ocupantes da caminhonete. Narciso, obeso, estava entre os que mais se feriram. Levado para a Santa Casa de Mogi, morreria menos de uma semana depois do acidente.

Clidão, como era conhecido o amigo do Gordo, decidiu que precisava unir a comunidade do Shangai em uma homenagem ao falecido Narciso. E nada melhor que uma missa campal, próximo à região mais movimentada do bairro, exatamente a dos botecos, para lembrar o amigo de todos dali.
Clidão tratou de anunciar a celebração neste jornal, antes de combinar com os russos, no caso, o bispo diocesano da época, dom Emílio Pignoli, que não gostou nem um pouco da ideia e vetou a participação de padres na solenidade.

Foi o que bastou para que uma enorme polêmica fosse criada em torno do assunto. Euclydes, que gostava de escrever, transformou o jornal em sua trincheira para defender a missa, assim como o bispo também usava seus argumentos para não permitir a celebração. 

A discussão durou bem uma semana, ou até um pouco mais, com o bispo irredutível.

A solução para a homenagem acabou sendo encontrada pelo próprio idealizador. Na data prevista para a missa, Clidão convocou os amigos de Narciso para lembrá-lo com uma cervejada, num dos botecos que o Gordo gostava de frequentar. Todos compareceram em peso.
Em meio à festança, um momento para uma rápida oração. E tome cerveja, logo na sequência. 

Clidão, ainda lúcido e com memória de elefante, falou de sua “vingança”, ontem, com a coluna:

“Na igreja, naquela noite, havia umas 15 pessoas; enquanto mais de 50 compareceram à cervejada do Narciso”, lembrou ele, dando boas gargalhadas com a implicância do bispo da época.

O código do sono 

Impulsionada pelo estrondoso sucesso do livro homônimo do escritor Dan Brown,  a trama de “O Código Da Vinci” chegou aos cinemas, logo em seguida, cercada pela mesma polêmica que marcou a obra escrita. Na redação deste jornal, a pauta inevitável: uma repórter acompanharia um padre ao cinema para que ele comentasse a fita. O escolhido para a tarefa era um religioso do Socorro que tinha por costume tomar um aperitivo no almoço, que lhe garantia uma boa sesta após o repasto. Naquele dia, ele foi direto para o cinema e bastaram alguns minutos de projeção para que a repórter ligasse, quase em desespero, para a redação: “O padre dormiu, o que eu faço?” “Acorde-o”, foi a resposta do outro lado. Ela não ousou cumprir a ordem.

Histórias de Protássio

“Se cobrir, vira circo; se cercar, vira hospício”, costumava dizer o ex-vereador Protássio Ribeiro Nogueira, cada vez que era chamado a contar histórias inusitadas que chegam ao seu gabinete, na Câmara de Mogi. Numa das derradeiras, um sujeito com traje típico de cowboy norte-americano – botas, chapéu, camisa xadrez, calça de brim e inevitáveis óculos escuros – insistia em falar com o então vereador.

“Soube que o senhor tem umas fazendas  e estou procurando emprego…” – disse ele, logo que Protássio chegou ao gabinete. Sempre bem-humorado, o vereador foi direto: “Emprego tem,  mas a fazenda fica no Mato Grosso, a uns 1.500 km daqui”. O estereótipo de vaqueiro americano cofiou o longo e grosso bigode, pensou durante alguns bons segundos e… jogou a toalha: “É um pouco longe, né? Pensei que fosse mais perto…” E saiu sem nunca voltar…

Entre montanhas e pedrinhas

Protássio lembrou, certa vez, em conversa com o repórter, o dia em que seu sogro, o fazendeiro Hélcio Vita, foi  abordado por um rapaz que também buscava serviço de peão numa de suas propriedades, no Mato Grosso. Hélcio mirou o rapaz de cima a baixo e observou: “Serviço até que tem, mas peão com esse chinelo não monta a cavalo nem pega boi no pasto”. O candidato a peão nem chegou a olhar para os pés, onde reluziam  duas alvas sandálias do tipo havaianas.

Bom de conversa, Protássio era um mestre na filosofia caipira. Certo dia, falando das dificuldades na política, ele disse ao colunista, lembrando o avô: “Ninguém tropeça em montanha. São as pedrinhas que derrubam a gente”. Profético: um simples processo do Tribunal de Contas acabou inviabilizando a continuidade sua  longa carreira no Legislativo local.

Jeitão da roça

Apreciador de modas caipiras e cozinheiro da melhor qualidade, o ex-vereador Protássio Nogueira, irmão do falecido prefeito Chico Nogueira, chegou à Câmara de Mogi  na eleição de  2004 e por lá permaneceu até o ano passado. Apreciador da boa conversa, tomou gosto pela política, mas sem perder suas raízes no campo: continua dono de fazendas no Mato Grosso

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