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Projeto ‘Vista-se de Poesia’ transforma a dor do luto em arte

“Vestir”, o verbo, quase em todos os significados, traz sentido relacionado ao vestuário. “Cobrir(-se) com roupa; pôr roupa em” é a definição mais comum no dicionário. Mas é possível aplicar a palavra de outras maneiras. Um belo exemplo é o que está no convite/catálogo/exposição que O Diário mostra nesta reportagem: “Vista-se de Poesia”. Aqui, a […]

25 de junho de 2021

Reportagem de: O Diário

“Vestir”, o verbo, quase em todos os significados, traz sentido relacionado ao vestuário. “Cobrir(-se) com roupa; pôr roupa em” é a definição mais comum no dicionário. Mas é possível aplicar a palavra de outras maneiras. Um belo exemplo é o que está no convite/catálogo/exposição que O Diário mostra nesta reportagem: “Vista-se de Poesia”.

Aqui, a poesia transformou em arte a dor do luto. “Ao desmontar a casa da minha mãe, Marlene Santana Caetano, de 68 anos e de meu padrasto, Aparecido Laudevino Caetano, de 70 anos, que faleceram vítimas do Covid 19 no dia 30 de março, muito próximo de serem ambos vacinados em um mesmo dia, foi uma dor sem igual”, escreve a poetisa, autora e agitadora cultural Carla Pozo.

O texto funciona como introdução para o projeto, que é composto por três pilares. Uma exposição – que segue até a próxima segunda-feira (28), na Loja do Bem do Instituto Léa Campos, no Mogi Shopping, e depois segue para outros endereços- proporciona “reflexões, leveza, fortalecimento e ressignificação”; um catálogo digital “amplia os olhares, diálogos e fazeres”; e uma agenda de lives promove trocas “sobre vivências e suas possibilidades de cura”.

Parece abstrato, e é mesmo. É muito pessoal, mas também muito humano. Quando separava roupas e objetos pessoais dos entes queridos para doação, Carla buscou “respiro mental” em uma atividade aparentemente sem importância: desmontar caixas de madeira. Enquanto fazia isso, viu um “casaquinho florido”, que pertencia à mãe. Nascia ali uma poesia.

A poesia logo se mostrou ser, na verdade, uma “sequência de reflexões poéticas”, como diz a autora, que mostrou os materiais para a filha, a dançarina e professora Beatriz Pozo, e também para a amiga Bianca Ortiz. Não demorou para que as poesias ganhassem um palco e se tornassem um canal de diálogo sobre “amor, dor e cura, com objetivo maior de ressignificar sentimentos, com todo o respeito a todos que compartilham desse momento”.

Foi assim que objetos simples, mundanos, adquiriram um caráter especial. Uma gravata, colares, sapatos, um relógio, um prego. Tudo virou poesia, embalado pelo fundo azul e calmante do mar. O cenário em si já é a primeira poesia. “É a reflexão da força da natureza, que insiste em renascer. Ela vai e vem, como as ondas”, reflete Carla.

A experiência do catálogo online é a mesma da exposição física. A diferença está no formato do diálogo, apenas. “Minha mãe morreu muito próxima de se vacinar”, lembra a idealizadora, que de maneira nenhuma incentiva “pessoas a saírem de casa para irem até a exposição”. A ideia do encontro físico é receber aqueles que, “por uma necessidade”, precisem ir até os locais em que a mostra estiver.

“Vestir-se de poesia” era uma necessidade para Carla Pozo. E poderia ser a necessidade de outros, pensou ela. “É um projeto que tem o viés do outro se perceber. Não se iluda, não estou 100% forte. Mas quero que todos entendam que temos o direito de ser frágil, de chorar, mas as pessoas ao redor precisam de nós, então é preciso ajudar a buscar outro olhar”.

Quem não puder abrir o catálogo online ou comparecer ao shopping terá outras oportunidades. Isso porque a exposição é itinerante e estará, entre 1 e 15 de julho, na Câmara Municipal de Mogi das Cruzes. Fazem parte da mostra um cachecol, uma gravata, um casaquinho, um relógio, um sapato. As demais peças do vestuário dos pastores Marlene Santana Caetano e Aparecido Laudevino foram doados. Segundo a família parte “para o padre Vicente, parte para pessoas próximas e parte para o Instituto Léa Campos”.

Há, ainda, mais uma maneira de participar. Afinal, duas das quatro lives propostas pelo projeto serão realizadas nas próximas semanas. Uma conversa e também roda de música com o artista Michael Meyson está programada para o dia 30 de junho, e a discussão “sobre dores da sociedade em geral” continua no dia 7 de julho, com a participação do Instituto Léa Campos.

 

Parcerias sociais

No catálogo virtual de ‘Vista-se de Poesia’, a psicóloga, psicopedagoga e especialista em perdas e luto Ivone A. Silva mostra que “é possível superar a perda”, o que não significa  “esquecer” ou “não se entristecer com a lembrança”. Segundo ela, “a saudade ficará e se transformará com o tempo em gratidão pela convivência e privilégio do tempo vivido”. Contudo, aos que “que não conseguem retomar a vida e que a dor se torna insuportável”, a profissional fornece uma dica: “compartilhe com alguém, busque ajuda”.

A parceria com Ivone mostra a responsabilidade social do projeto, que buscou estreitar as relações com o Instituto Léa Campos. “Quando pensei na exposição, a primeira parceria que veio em minha mente foi o instituto, por estar em sintonia com meu sentimento e pensar, acreditando em dias melhores, na importância de ressignificar sentimentos e oportunidades com o trabalho realizado por eles”, afirma Carla Pozo.

Ter a assinatura de uma profissional especializada em perdas e de uma organização sem fins lucrativos que atua desde 2018 “com a finalidade de promover o desenvolvimento local através da educação criativa” faz com que ‘Vista-se de Poesia’ vá além da arte e do encontro. A iniciativa vai à ação. 

“Na ‘Loja do Bem’ doações ganham vida e novas possibilidades, aprendemos a dar lugar para o novo, tudo tem seu valor, tudo traz história, o fim é só um ponto de vista, ou, um olhar de renovação”, finaliza a  idealizadora.

 

 

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