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FILHOS DO DIVINO

Os herdeiros da Festa do Divino mantêm as tradições

Ausência de devotos, mestres de congada, rezadeiras e ex-festeiros e as mudanças sociais na cidade que está cada vez mais distante da vida rural e caipira foram contornadas por organizadores do evento

Eliane José
28/05/2023 às 12:00.
Atualizado em 28/05/2023 às 12:03

Ausências de grandes mestres e divineiros e a continuidade de tradições marcam a edição da Festa (Imagem: Arquivo Pessoal)

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FILHOS DO DIVINO

Os herdeiros da Festa do Divino mantêm as tradições

Ausência de devotos, mestres de congada, rezadeiras e ex-festeiros e as mudanças sociais na cidade que está cada vez mais distante da vida rural e caipira foram contornadas por organizadores do evento

Eliane José
28/05/2023 às 12:00.
Atualizado em 28/05/2023 às 12:03

Ausências de grandes mestres e divineiros e a continuidade de tradições marcam a edição da Festa (Imagem: Arquivo Pessoal)

A Festa do Divino de Mogi das Cruzes sentiu a ausência de mestres e congadeiros, ex-festeiros, cozinheiros, doceiras e salgadeiras, rezadeiras e devotos mais afinados com os modos de reeditar e transmitir antigas tradições. Isolado, o modo de fazer - um formato diferente do tortinho ou o ponto de tal doce um tanto diferente daquele conhecido pelo paladar dos mogianos, pode passar despercebido. Especialmente em uma edição dessa expressão religiosa, popular e cultural tão esperada e, ao mesmo tempo, em um ambiente formado por detalhes adormecidos pelo hiato de três anos de realização. Embora coordenada pela Diocese de Mogi das Cruzes,  a festa é do povo. Por isso une sagrado e profano e surpreende ao atravessar quatro séculos em uma cidade cujos selos de rural e caipira jogam com o  passado e presente na maneira como os moradores a constróem.

Um moderador da perda de antigos devotos que faleceram deste 2020, quando a pandemia operou a suspensão da agenda folclórica, e de outras mudanças sentidas nos núcleos rígidos do evento foi contornado pelos festeiros ao constatarem que o mamão verde não foi encontrado facilmente para o doce típico ou quando foram obrigados a buscar os carros de bois  para a Entrada dos Palmitos, neste sábado, 27, em outras cidades.

A festa é feita de ciclos com a transferência dos saberes dos mais antigos para os mais novos - nem tão jovens assim, já que nos postos de comando hoje estão pessoas na casa dos 40 ou 50 anos +, as mudanças sociais, a profissionalização exigida pelo tamanho da programação para atender milhares de pessoas.

Responsável pela Entrada dos Palmitos, o professor de história Glauco Ricielle admite o embate, porém, afirma que a tradição tende a ser mantida com a representação do que a Festa do Divino herdou do passado. É dele a ideia de se criar uma espécie de enciclopédia com todos os modos de fazer necessários. Registros sobre como produzir doces e salgados que possuem um jeito de fazer  próprio e que sempre deu certo, apesar de a confecção envolver toneladas de alimentos para os dez dias da quermesse. “Sentimos isso quando vamos em alguma festa e o doce tal não tem aquele mesmo gosto do passado”, relativiza o devoto, dizendo que neste ano, não houve esse problema - como o ponto do doce ou o formato do tortinho, mas a falta de mamão caseiro, aquele cultivado em quintais, com textura e sabor genuíno, diferente dos comprados em larga escala, foi entrave.

A Festa do Divino tem um diverso arcabouço de tradições. Outros setores perderam líderes que morreram nos últimos anos, ou estão atualmente em tratamento de saúde e atuam em barracas, no afogado, no Café do Divino e Alvorada.

 Congadeiros

Um caso peculiar está no congado. A Congada de São Benedito - Coração de César abriga dançantes de Mogi, Biritiba Mirim e Salesópolis e desde 2021 é conduzida por Sebastiana Alves de Campos, afilhada do mestre Chico Preto, o mineiro Francisco  Alves de Oliveira [1936-2021] fundador do grupo com datas agendadas em festas religiosas e culturais até dezembro. 

No entender de dona Sebastiana, devota de Nossa Senhora, São Benedito e o Divino Espírito Santo, não há lugar para a interrupção da fé e dessa antiga dança. “Os congadeiros não param de dançar. A gente é do axé, da fé e segue continuando”, diz.

CONGADO - Seis dos 8 grupos de marujada e congada seguem com a tradição legada por mestres que vieram de cidades de Minas e Rio e escolheram Mogi para fincar raízes (Crédito: Mariana Acioli)

Dois dos grupos antigos estão paralisados atualmente - um do Botujuru, e o da Congada Marujada de Nossa Senhora do Rosário, fundada em 1956 e que possuía como rainha, Ilazir Maria de Zales, a dona Zizi, que faleceu recentemente.

Os outros seis - que integram o Congado mogiano, um dos expressivos na atualidade em todo país, seguem com as festas em suas sedes (as casas dos mestres), além de apresentações e ensaios, como conta Gislaine Afonso, a Laine, da Congada de Santa Ifigênia. Ela é casada com Alexandre Aparecido da Silva que dirige um outro grupo, o de São Benedito do Conjunto Santo Ângelo. 

Na pandemia, lives e as redes sociais deram visibilidade às duas congadas que retomaram agendas e projetos em parcerias com prefeituras e o Sesc. 

Para Laine, apesar do resguardo obrigado pelo coronavírus, essa tradição não enfraqueceu. “Em muitas festas, vamos, com a cara e a coragem e ganhamos só a alimentação para dançar. Outras, não, temos alguma ajuda de custo, mas é o mínimo”, relata. Para ela, a manutenção é garantida por pacto ancestral e familiar. A devoção a Santa Ifigênia foi legada a Laine pelo pai, o mestre José Batista Fontes, o Capitão do Pulo Alto nascido em Santana dos Montes, cidade próxima de Conselheiro Lafaiete, MG, de onde vieram outros antigos congadeiros mogianos. “Os nossos grupos vão se manter por eles, pelo que nos ensinaram os mestres, independentemente de projetos, associações. O congado se mantém pelos filhos e netos”, opina.

Deo Miranda, um estudioso desse patrimônio e um dos fundadores da Casa do Congado, uma associação de pesquisa que produziu rico e único manancial de registros históricos e sonoros sobre os grupos, afirma que o futuro da congada pertence aos participantes. “Quem dança, quem se organiza e dita como se organizam, como eles vão levar esse conhecimento adiante, são eles”, comenta.

 Resistência

Seis grupos de congada se apresentam hoje e amanhã

Neste sábado, na Entrada dos Palmitos, a partir das 9 horas, na rua Ricardo Vilela, e amanhã, na procissão de Pentecostes, seis grupos do Congado de Mogi das Cruzes saem às ruas em devoção aos santos pretos num símbolo de resistência importante na cidade onde um dos maiores registros físicos da história afrodescendente mogiana foi destruído com o fim da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na década de 1960 e, em uma edição da Festa do Divino nem tão distante assim, houve uma tentativa de apartar essa manifestação popular da religiosa com uma proibição que, após protestos, foi suspensa. 

 Entrada dos Palmitos

O último final de semana da Festa do Divino reserva alguns dos tópicos centenários mais representativos sobre a força do evento religioso e folclórico com braços turístico e econômico. A partir das 9 horas, a Entrada dos Palmitos, neste ano, pretende levar mais devotos, cavaleiros e carros de boi do que na última edição, em 2021, quando um cortejo enxuto foi realizado.

Carros de boi são prometidos mais de 30 “importados” de cidades da região e do sul de Minas Gerais.
O cortejo cumpre trajeto conhecido partindo da rua Ricardo Vilela, contornando a região central e chegando até a Catedral de Santana, onde um esquema de segurança foi preparado para garantir o bem-estar das pessoas.

Neste ano, os cavaleiros, muladeiros, charreteiros e outros tiveram de fazer uma inscrição para participar do ritual que lembra o tempo em que as famílias da região da Serra do Itapeti desciam para o núcleo central com prendas e produtos da terra nos dias da Festa do Divino - era comum os moradores mais distantes do miolo central de Mogi manterem uma casa “na cidade” para desfrutar das festas religiosas na Mogi ainda pequenina.

No domingo, a Festa de Pentecostes será marcada pela última Alvorada, 5 h - que faz uma parada estratégica na Igreja do Carmo, onde o ritual do fogo é realizado; além da procissão de encerramento, às 16h30.

A incineração dos pedidos está marcada para 20 horas, no Império do Divino, em frente à Catedral de Santana. Os últimos shows da quermesse serão do Tim Maia Cover e do grupo Latitude Zero. (E.J.)

 Um sucesso e uma saudade

Como vinha sendo esperado, o público cumpriu expectativa dos organizadores da Festa do Divino deste ano que retomaram uma agenda que exige centenas de mãos de voluntários e católicos, além de uma estrutura profissional para atender à demanda gerada nas diversas etapas da programação.

O festeiro Josmar Cassola, em um primeiro balanço do evento, destacou a presença do público. Na quermesse, ele acredita que mais de ... mil pessoas passaram pelas atrações que voltaram a mobilizar entidades sociais que respondem pelas barracas e receberão, ao final do balanço dos gastos financeiros, parte dos recursos angariados com as vendas dos produtos.

A quermesse e outros setores sentiram a falta de participantes que marcaram época - o ex-festeiro Miled Andere, o mestre da Congada de São Benedito, Coração de César, Chico Preto, e quase uma dezena de rezadeiras foram lembradas com carinho. 

O desafio dos organizadores é seguir a tradição e honrar quem já “segurou” a Festa do Divino no passado, como observou o divineiro Glauco Ricielle, que começou no evento há mais de 30 anos pelas mãos de dona Amália Manna de Deus. “A saudade sempre existirá, mas é preciso seguir em frente”, resumiu ele. (E.J.)

 A arte Divinal 

Das delicadas bandeiras  dos devotos enfeitadas por desenhos, pinturas, fuxicos, fitilhos, pombas  e flores,  às bandeirinhas que ladearam a Catedral de Santana e decoração caprichada e reluzente dos subimpérios e altares, a Festa do Divino Espírito Santo é um deleite para os olhos. 

Artesãos e artistas compõem obras que, neste ano, valorizaram a mostra realizado no Museu Guiomar Pinheiro Franco. 

PRESENTE - Artista plástica, Olga Nóbrega entregou ao jornal O Diário uma belíssima bandeira em agradecimento à parceria e divulgação de obra da divineira que possui hoje 88 anos e segue compondo arte (Imagem: Divulgação)

Já o subimpério montado na sede de O Diário de Mogi ganhou uma peça valorosa: a artista plástica Olga Nóbrega pintou uma bandeira (ao lado), que foi presenteada ao jornal.

Na peça, Olga, que tem 88 anos, destacou a pomba, que sobrepõe um estandarte da festa representando o Espírito Santo, e trouxe ainda a Catedral de Santana e  devotos empunhando suas bandeiras na praça Coronel Almeida, diante do templo. Um conjunto que retrata e homenageia a mais importante manifestação folclórico-religiosa de Mogi, a Festa do Divino Espírito Santo.  

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