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Maestro Luiz de Godoy emociona Mogi com apresentação na Catedral de Santana

A Catedral de Santana sentiu. Quase mil pessoas, entre audiência presencial e online, também sentiram. Não é exagero dizer que Mogi das Cruzes sentiu alegria e emoção na noite da última quinta-feira (23). Diz o ditado que “o bom filho à casa torna”, e após 13 anos distante da cidade, tendo colecionado aprendizados e experiências […]

25 de junho de 2022

Reportagem de: O Diário

A Catedral de Santana sentiu. Quase mil pessoas, entre audiência presencial e online, também sentiram. Não é exagero dizer que Mogi das Cruzes sentiu alegria e emoção na noite da última quinta-feira (23). Diz o ditado que “o bom filho à casa torna”, e após 13 anos distante da cidade, tendo colecionado aprendizados e experiências na Alemanha, o maestro mogiano Luiz de Godoy, que visita anualmente a família, retornou de maneira profissional. E foi muito bem recebido.

Em anos de coberturas na mesma Catedral de Santana, este repórter não havia, ainda, presenciado tamanha comoção. Havia fila para entrar e vê-lo reger a Missa de Santa Cecília, pelo Festival Sesc Música de Câmara.

É claro que Luiz de Godoy não estava sozinho. Na verdade, o artista, de sorriso no rosto, brilho nos olhos, fala forte e contundente, subiu ao altar, que serviu de palco, muito bem acompanhado pelos Meninos Cantores de Hamburgo, da Alemanha, e também de membros da Osusp, da Ocupação Cultural Jeholu e também os solistas Erika Muniz (soprano), Juliana Taino (contralto), Mar Oliveira (tenor) e David Marcondes (baixo-barítono). 

Somente uma das musicistas confirmadas, a soprano Tatiane Reis, não pôde ir, pois ficou doente. Por isso, antes de começar a apresentação, com visível dor no coração, o maestro explicou que uma parte da música seria cortada do programa.

Anterior a esta fala, a entrada do mogiano na igreja foi comovente. Ele apareceu, despretensiosamente, para cumprimentar o público e falar sobre a importância daquela noite. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, foi ovacionado. As pessoas queriam saudá-lo. Afinal, muitas delas estavam revendo um amigo, enquanto outras estavam conhecendo um grande nome da música de concerto internacional.

Respeitoso com a audiência, Luiz agradeceu a todos, mas sem se prolongar. Com orgulho, comentou a representatividade de ser ele um homem de pele preta à frente de uma peça composta em 1826 pelo também negro padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830). Na sequência, disse que voltava em alguns instantes, com todos os outros artistas.

Assim que foi tocada a primeira nota do primeiro instrumento, o que não demorou a acontecer, o sentimento de alegria e emoção aflorou na Catedral de Santana. Mesmo no patamar superior da igreja, onde é possível ter acesso a visão panorâmica de todo o salão, o sentimento era esse. Todos os 37 degraus que levavam até ali, assim como as paredes e colunas que sustentam a construção, pareciam sentir a energia de Luiz de Godoy, que com entusiasmo e leveza comandou a noite.

Além dos gestos com as mãos, a boca e os olhos do maestro comunicavam com todos os músicos individualmente. Relação especial ele guarda com os meninos alemães, que tinham  motivos para estarem assustados, mas observavam atenta e respeitosamente, como um filho que acompanha e segue os passos do pai.

O público, formado por pessoas de todas as idades, estava igualmente petrificado pelo simbolismo daquela noite. Escrita há 196 anos, a peça serviu como protesto para quem a compôs. Negro, neto de escravos libertos, José Maurício teve de lidar durante toda a vida com o racismo das elites da época.

É por isso que, ao longo de 1h30 de apresentação, há trechos mais lentos e tocantes, mas também há passagens marcadas por agilidade e energia, o que conferiu à Catedral de Santana um tom épico. A cada intervalo, de poucos segundos, as pessoas cochichavam elogios aos músicos, por detrás das máscaras faciais que as protegiam da Covid-19.

Os bancos originais da igreja não foram suficientes para acomodar a todos. Novos assentos foram disponibilizados, nas laterais, e mesmo estes não supriram a demanda. Somente com cadeiras extra foi possível que todos se sentassem. 

Contudo, a escolha do local não poderia ter sido melhor. A acústica do ambiente favoreceu um concerto marcado pelo profissionalismo e seriedade dos artistas envolvidos e também, como Luiz de Godoy já havia dito a O Diário, por uma “nova fase” na carreira do maestro.

 

Catedral emocionada

Regida pelo maestro Luiz de Godoy, a apresentação da Missa de Santa Cecília não foi uma graça apenas aos seus próximos. Nas palavras do bispo diocesano de Mogi das Cruzes, a “noite celestial” da última quinta-feira (23) representa um grande presente de aniversário à Diocese local, que completa 60 anos.

Não apenas o bispo, mas também o pároco responsável pela Catedral de Santana, Dorival Aparecido de Moraes, estava emocionado. E claro, não poderia ser diferente. Mesmo de longe era possível observar que a mãe do maestro, Lidia Pereira dos Santos, estava assim também. Ela andava de um lado para o outro, atenta em recepcionar e acomodar cada uma das pessoas que aguardavam em ansiosa fila, do lado de fora da Catedral.

Os olhos de Lidia se encheram de lágrimas quando ela parou por um momento, para conversar com a reportagem de O Diário. Aos 73 anos, contou já ter ido ao Chile para prestigiar a regência de Luiz de Godoy, mas que sentia por ainda não poder ter feito isso no quintal de casa, em Mogi. 

“Isso me doía. Mas ver a casa cheia assim mostra que a cidade precisa dar mais oportunidades a ele, e que arte e cultura são muito importantes. É disso que as pessoas precisam”, disse Lídia.

Outra pessoa emocionada com o concerto regido por Luiz de Godoy em Mogi era Mateus Sartori. Cantor e ex-secretário municipal de Cultura, ele nutre carinho especial pelo maestro, com quem já coordenou muitos projetos. 

Uma destas atividades, há muito tempo, foi o espetáculo ‘Os Saltimbancos’, ainda nos anos 1990. Quando produziu a peça, Sartori não poderia saber, mas estava olhando para o garoto que se formaria em música na Escola Municipal de Música de São Paulo, se tornaria bacharel em Piano pela USP, mestre pela Escola Superior de Artes Aplicadas (Castelo Branco, Portugal) e mestre também em regência pela Universidade de Música e Artes Performáticas de Viena (Áustria). 

Anos mais tarde, aquele garoto mogiano ocuparia importantes cargos nas mais tradicionais instituições da Áustria, destacando-se o posto de mestre-de-capela dos Meninos Cantores de Viena. Também integraria o quadro de maestros da Ópera Estatal de Hamburgo, colaboraria com o maestro Kent Nagano junto à Filarmônica de Hamburgo e seria diretor artístico dos Meninos Cantores de Hamburgo.

“Ele sempre foi muito talentoso, dedicado, estudioso”, crava Sartori. E parece que esta aplicação contagia. Na entrevista coletiva à imprensa local, poucas horas antes do concerto, o maestro falou sobre a relação com os jovens estudantes. Alguns, inclusive, querem seguir os passos do mestre. Leia aqui. (H.H.)

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