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Grafite na Prefeitura marca 25 anos da carreira do mogiano Bozer

Nem bem colocou a assinatura no simbólico e gigante grafite estampado na parede lateral da prefeitura, “prédio-galeria” público que rompe a relação conservadora com os artistas de rua de Mogi das Cruzes, o mogiano Fabrício Bozer Cruz começou a pensar em jeito de tornar mais visível a essa série de pinturas enormes que teve início […]

4 de março de 2023

Reportagem de: O Diário

Nem bem colocou a assinatura no simbólico e gigante grafite estampado na parede lateral da prefeitura, “prédio-galeria” público que rompe a relação conservadora com os artistas de rua de Mogi das Cruzes, o mogiano Fabrício Bozer Cruz começou a pensar em jeito de tornar mais visível a essa série de pinturas enormes que teve início na pandemia, em um dos costados do Terminal Central. 

Virá no futuro próximo, promete ele, um novo trabalho focado na criança e que terá maior  visibilidade pública do que as quatro obras entregues ao olhar das pessoas que passam por pontos centralizados da cidade (além dos citados acima, o CIP/Pró-Hiper, no Mogilar,  e o edifício na Praça das Bandeiras). Onde será? O que será? Ele ainda planeja, num processo que pode levar semanas, entre a elaboração do projeto que demanda, em geral, parcerias, e a criação em si. 

O mural que tem chamado atenção no Centro Cívico, entre as casas vizinhas dos poderes Executivo e Legislativo, é um presente de Bozer a Mogi. Não houve custos para o poder público. A obra marca os 25 anos de carreira do artista, que está com 40 anos.

A imagem colorida esculpida no paredão de 15 metros de altura por 20 de largura, onde uma criança preta sorri e segura um dos símbolos da assinatura de Bozer, o “darozoone” (espécie de amuleto japonês), decalca outros signos da identidade mogiana, como o adensamento urbano (prédios) costurando por entre a catedral de Santana, a agricultura e os retábulos verdes interligados pelas serras do Mar e Itapeti e a Bacia do Rio Tietê.

Neste último painel, o mogiano Lourenço, de 10 anos, foi retratado. Ele estuda em uma escola pública e mora na Vila Lavínia. É uma criança da cidade, um tema que tem permeado a obra de Bozer. O garoto é irmão de Maria Alice, que está na tela primeira gigante, que foi feita por meio da Lei Aldir Blanc e teve objetivo falar sobre a solidariedade das pessoas durante a pandemia e ser um ato de esperança pelos dias que se seguiriam.

Além de referendar a criança como principal personagem, Bozer vai mais a fundo sobre a simbologia de estampar a sede do governo municipal. Ele faz uma leitura onde a chegada dessa expressão até esse edifício comporta o incentivo aos novos talentos e grafiteiros e a popularização da arte de rua. É como dizer, “nós chegamos aqui, estamos aqui, na Prefeitura”, diz, acrescentando, “que qualquer um que gosta do grafite pode chegar aonde quiser”.

Esse é o caso desse artista que começou a carreira jovem, com tintas spray acomodadas na mochila, saindo à noite com amigos, para pintar muros da cidade. 

 O amadurecimento, o incentivo da mãe, Marli, atenta à vocação artística iniciada com as histórias em quadrinhos na Escola Paulo de Oliveira Melo, no Conjunto do Bosque, aliados às aulas de desenho, e a vida seguindo, como os estudos e o trabalho, ainda jovem, com 19 anos,  com outros também jovens acolhidos na Fundação Casa, o levaram a uma produção própria de fôlego. O nome do mogiano figura em exposições e  intervenções ao lado de outros artistas pelo Brasil afora.

Aos que virão
Uma conversa com Bozer pincela sobre a arte, o hip hop, e chega à ancestralidade da pintura e da escrita no espaço público, ruas, pedras e praças. Ou seja, a leitura e a narrativa da história humana. Porém, o artista e seus contemporâneos, a partir da década de 1980/1990, viram emergir talentos que instalaram essa expressão em cidades do mundo num patamar de crítica, manifesto popular, arte, educação e até economia – hoje, os murais, geram emprego, renda a terceiros, além da beleza e do vigor do grafismo quebrando a concretude do cimento armado e das paredes descascadas e sem cor nas cidades embotadas por cenas urbanas degradadas e desleixadas.
Bozer é defensor que o grafite seja levado para a sala de aula, como um instrumento para o desenvolvimento humano, social e artístico. “Cidades que ainda proíbem esse tipo de manifestação, como Guararema, perdem uma oportunidade de descobrir talentos, conviver com os jovens”, alfineta, lembrando que vizinhos,  como Mogi das Cruzes, começam a abrir franjas para incentivar a iniciativa privada a investir em pinturas que cativam o público (e até consumidores – que o diga o proprietário da Cacau Show, que têm um belíssimo exemplar dessa parceria na fábrica de Itapevi assinado por Eduardo Kobra, e inspirada em fotografia do mogiano Lailson Santos).
Para um projeto de grande porte, como os que começam a marcar a paisagem urbana com assinaturas dele, e de outros artistas da cidade, como Paulo Seccomandi,  João Ricardo, (Jaum), Raul Saraiva (Racil) e Yuri Guimarães (None), uma rede de pessoas se movimenta para auxiliar na execução dos trabalhos. “Um mural maior impacta, 4, 5 famílias”, estima ele.

Jovem por perto

Da experiência própria e do projeto da Casa do Hip Hop, de Mogi, que descobriu e moldou talentos, Bozer afirma que a sociedade precisa enxergar a arte jovem não como uma inimiga, mas como agregador humano e social.

Ele fala sobre isso, ao lembrar dos tempos em que atuou na Fundação Casa, e que plantou, em alguns dos jovens que o conheceram, a semente de esperança. “Alguns me encontram, hoje, e dizem que acompanham o meu trabalho, me chamam de professor,  têm essa lembrança”. 

Apesar desse eixo positivo, daquele tempo, Bozer relembra a dura a realidade de um “sistema que te lapida tanto que você se sente como um interno. Muita coisa pode, mas muita coisa não pode, e você notava que havia, ali, talentos, mas o sistema te impedia de dar tudo de si”.

Com 25 anos de  atuação, o reconhecimento e o engajamento em redes sociais, Bozer se vê, agora, como seus fãs, quando era mais jovem. Quando soube que Os Gêmeos estavam pintando a galeria do Brás, em São Paulo, nos anos 1990, ele foi até lá, para olhar os artistas admirados. E, hoje, ele e quem é surpreendido, enquanto pinta, por meninos que o seguem, em busca de um incentivo, um autógrafo. 
“Quando estava pintando a Prefeitura aconteceu de um garoto vir até a mim, e perguntar se eu era mesmo o Bozer. Disse que também gostava de desenhar, bem tímido, como eu era também mais novo”, sorri.

Petisco

Além da projeção artística com o grafite, o mogiano abriu frentes de trabalho, como uma confecção própria de roupa com a marca Boozone (que pouco antes da pandemia, saiu de loja física para uma virtual e conseguiu, dessa forma, sobreviver aos impactos negativos que o comércio presencial amargou). Ele também é tatuador. 

Agora, voltando ao início deste texto, não houve meio de Bozer antecipar o próximo projeto, em estágio ainda embrionário. Disse apenas que irá surpreender e pretende acessar mais crianças. Já estamos esperando pela novidade.

Marli, a mãe do autor das obras gigantes 

Uma pasta com recortes de jornais e registros acompanha Marli Cruz, mãe do Fabrício, que assina Bozer em sua coleção de pinturas.
Dona Marli é a fã número 1.

O filho reconhece na mãe que o criou só, a referência para desenvolver a vocação presente nos trabalhos de escola que ele fazia e usava como moeda de troca com amigos que estudavam as outras disciplinas mais do que ele.

Nas idas de trem entre Mogi e SP, pichações ficavam na  memória do garoto quando chegava ao destino. Nascia do talento do ‘Bozer-criança’ e no interesse pelas inscrições de pichadores que conversavam com o mundo, a partir de uma parede ou muro, o artista que se diz uma pessoa realizada. “Eu sei que, de onde eu vim, poucos conseguiriam viver da arte. Me sinto realizado”, fala, torcendo para que esse seja um convite para outros jovens.

Dona Marli entendeu esse conceito: quando o filho começou a chegar em casa mais tarde – ele é fruto da pichação -, ela chamou o pai dele para uma conversa (o que resultou no dinheiro para o curso de desenho da escola Folium) e fez mais: comprou latas de tintas, na Loja do Pintor, e mandou o filho pedir autorização para pintar um muro. Ele não parou mais para orgulho dela, que sempre que pode, abre as pastas com os feitos de Bozer e diz a quem a interpela: “É do meu filho”. 

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