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HISTÓRIA

China recupera o passado de seu maior pintor, que viveu em Mogi

Zhang Daqian, também conhecido como Chang Dai-chien, passou quase uma década e meia em um sítio no caminho para Taiaçupeba, que foi encoberto pelas águas da barragem do rio Jundiaí.

Darwin Valente
13/05/2023 às 17:36.
Atualizado em 14/05/2023 às 09:46

Imagem de Chang Dai-chien em sua residência, junto a quadros pintados por ele ; a maioria de suas obras retratavam paisagens da China, sua grande paixão (Reprodução - Redes Sociais)

Um trabalho jornalístico realizado pela Rádio China Internacional em parceria com a TV Diário de Pernambuco relembra aspectos da vida do artista plástico chinês Zhang Daqian, mais conhecido com Chang Dai-chien, que viveu boa parte de sua vida em Mogi das Cruzes, onde chegou em 1954 e permaneceu até 1979, quando o sítio em que morava, no caminho para Taiaçupeba, zona rural da cidade, foi coberto pelas águas de uma das barragens construídas à época, como parte do Sistema Alto Tietê, destinado a conter enchentes e levar água para abastecimento da Capital e Grande São Paulo..

Considerado “o Picasso chinês”, o pintor é atualmente um dos nomes mais respeitados no mercado de arte, onde seus quadros alcançam cifras exorbitantes.

Com a seca ocorrida em 2014, as águas da barragem do rio Jundiaí baixaram e deixaram à mostra alguns pontos da casa onde Chang viveu, cercado de muita beleza (Foto: reprodução / G1 Mogi)

A maior parte da reportagem/documentário, exibida na China para marcar os 124 anos de nascimento do artista, completados no último dia 10, foi gravada em Mogi, onde o repórter Luiz Boaventura revisitou lugares onde o pintor viveu, lembrou detalhes de seus trabalhos na cidade e entrevistou pessoas que conviveram com ele, como Nobolo Mori, hoje com 99 anos, que foi seu médico particular e amigo, a ponto de ter ido visitá-lo na China, alguns anos antes de sua morte.

Nascido em Neijiang, na China, em 1899, Dai-chien viveu até os 74 anos, quando faleceu, em 2 de abril de 1983, na cidade de Taipé, em Taiwan.

O trabalho começa mostrando imagens raras do pintor em seu ateliê, usando num quadro a técnica da tinta espirrada, na fase do impressionismo abstrato, adotado por ele no final dos anos 1950, em substituição ao estilo guohua de pintura, o que passou a diferenciá-lo de outros artistas.

Obra do pintor Chang Dai-chien, que retratava paisagens de sua terra natal; ele nasceu em Neijiang, na China, de onde saiu por não concordar com a Revolução Comunista (Foto: reprodução / redes sociais)

 
Em seguida, vai até Unicamp, em Campinas, para conversar com um dos maiores estudiosos do artista chinês atualmente no Brasil, o jornalista mogiano Guilherme Gorgulho, que prepara um livro sobre Dai-chien como parte da pesquisa para sua  tese de doutorado, onde resgata o período vivido por ele na América do Sul. Gorgulho começou suas apurações em Mogi,  seguiu para Mendoza, na Argentina, e chegou à China, que era a grande paixão do pintor. O país sempre foi lembrado em suas pinturas que retratavam paisagens de locais onde viveu antes de deixar a terra natal, no final de 1949, por não concordar com os ideais da Revolução Comunista que alterou radicalmente a vida das pessoas naquele País. Saindo de Neijiang, foi para Hong Kong e Mendoza, de onde veio para Mogi das Cruzes.
Foi em Mogi, em sua propriedade rural, onde vivia um mundo todo próprio, que ele construiu o Jardim das Oito Virtudes (bade yuan) e cavou um lago ornado por cinco pavilhões, que ele chamou de Lago dos Cinco Quiosques (wu ting hu), com muitas carpas, como lembra Paulo Pinheiro, de apelido “Zé Ferro”, que ainda adolescente, trabalhou como jardineiro, no sítio de Dai-chien, a quem chamava de “Professor”. Ele conta ao repórter que vivia extasiado com a beleza de tudo que via por ali:

“Foi a coisa mais linda que eu já vi em toda a minha vida. As flores, as pedras, o formato num todo, era simplesmente lindo. Mesmo com minha pouca idade, eu gostava de trabalhar ele, mas não entendia bem o significado daquilo tudo. Era um jardim grande e tinha outros pequenos, que, de vez em quando ele mandava mudar. Como artista, ele tinha a visão daquilo que ele queria que a gente fizesse nos jardins.
A reportagem mostra imagens de fotografias resultantes da grande seca de 2014, em que o nível de água da barragem baixou o suficiente para expor o que ainda restava das construções do antigo sítio de Dai-chien. 

Zé Ferro” aproveitou a oportunidade para escavar o local onde ficava um dos lagos do jardim. Ele conta que chegou a ver o antigo patrão “trabalhando com pincéis”, mas que nunca ousou se aproximar ou tentar conversar com o artista sobre suas obras. “Era muita coisa eu encostar na janela e ficar olhando... era só uma olhada rápida. Hoje eu imagino que ele pintava paisagens de sua terra”, disse “Zé Ferro”.
Gorgulho reaparece para lembrar o encontro de Dai-chien com Pablo Picasso, em Paris, em 1956, onde ele fez suas primeiras exposições na Europa. Em seguida, o artista foi buscar outros espaços em países como Inglaterra e Alemanha. “Foi sua fase mais importante, em que ele estava muito produtivo”, conta Gorgulho.

Calcula-se, segundo a reportagem, que o artista tenha pintado mais de 30 mil obras durante toda a sua vida, entre quadros e outros formatos artistísticos. Biografias do pintor dizem que foi um dedicado estudioso das três principais manifestações artísticas chinesas, a pintura, a caligrafia e a poesia e que sua importância dentro dos processos de evolução histórica e estética da arte da China consistiu na capacidade que teve de voltar às raízes dos mestres do passado e ainda assim trazer um sopro de modernismo a este estilo consagrado pela tradição.
No Brasil restam pouquíssimas obras do pintor para serem apreciadas pelo público. Segundo Gorgulho, uma delas na Pinacoteca Rubem Berta do Rio Grande do Sul e outra em Olinda, no Recife, no valor de R$ 3 milhões, num museu que está fechado para reformas desde 2016 e sem previsão de reabertura, segundo informou à reportagem uma nota do governo do Estado.

O pintor Chang Dai-chien viveu durante quase uma década e meia em um sítio localizado no caminho para Taiaçupeba, onde construiu o Jardim das Oito Virtudes (Foto: reprodução / redes sociais)

De volta a Mogi das Cruzes, são mostradas gravuras que reproduzem os quadros de Dai-chien, na casa do filho de Nobolo Mori. Entre os quadros, uma caligrafia feita a mão pelo artista com uma dedicatória das gravuras lhe foram presenteadas.

Nobolo lembra que o artista não falava japonês e nem português. “Só falava chinês, por isso tinha sempre um tradutor. Foi meu cliente como médico. Quando ele se mudou para a China fui até lá, na casa dele”, contou Nobolo, que lembrou também do Jardim das Oito Virtudes que, segundo o médico possuía “significados filosóficos”.

O médico Nobolo Mori, de quem o pintor foi paciente, observa uma dedicatória feita a ele, que ganhou gravuras que retratavam quadros do pintor, feitos em Mogi (Reprodução - rede social) (Foto: reprodução / redes sociais)

O repórter mostra a estátua do Imigrante inspirada em Nobolo para mostrar que Mogi não fez qualquer homenagem a Dai–chien que aqui viveu por muitos anos. 

Zé Ferro” reaparece no vídeo para dizer que “Mogi deveria fazer um gesto de gratidão a um artista tão importante”. O diretor de Patrimônio Histórico da Prefeitura, professor Glauco Ricielle reconhece o esquecimento à memória do artista.

“Hoje temos praticamente nada; mas precisamos conectar e trazer à tona essa história, que é fantástica e entender o quanto é importante a história dele no mundo”, diz o diretor.

Mas, dizendo que “nem tudo está perdido”, o repórter mostra então o artista plástico Fabiano Rodrigues, também de Mogi, que está concluindo uma estátua de quase quatro metros do pintor, usando a técnica do concreto, pela primeira vez, numa obra daquela dimensão.

“Está sendo bem legal porque estou vendo o resultado saindo direitinho”, diz Fabiano, que lembra com pesar a maneira como o artista foi tratado na cidade, com a destruição de seu patrimônio pelo Estado para construção de uma barragem.

“Não é justo ele vir para cá, construir um dos maiores e únicos jardins orientais do País e não receber qualquer homenagem por isso. O jeito que destruíram o jardim e dizimaram a economia e a cultura daquele local precisa ser contado para que as pessoas tomem conhecimento disso”.

A estátua de Zhang Daqian, o Chang Dai-chien, está quase pronta, diz a reportagem, que termina em clima de suspense. 
Afinal, o artista plástico local não diz quando e nem onde a sua obra será instalada.

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