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‘As pessoas se acham, com coragem, de ser racistas’, analisa Nei Lopes no Sesc Mogi

Em uma análise apurada sobre a desigualdade racial e o aprofundamento do racismo nos últimos quatro anos, o escritor e pesquisador Nei Lopes concedeu uma entrevista sobre temas aborbados na série de eventos iniciada na terça-feira (15) no Sesc Mogi das Cruzes, sobre a vida e obra do escritor Lima Barreto (1881-1922). Entre outras coisas, […]

18 de novembro de 2022

Reportagem de: O Diário

Em uma análise apurada sobre a desigualdade racial e o aprofundamento do racismo nos últimos quatro anos, o escritor e pesquisador Nei Lopes concedeu uma entrevista sobre temas aborbados na série de eventos iniciada na terça-feira (15) no Sesc Mogi das Cruzes, sobre a vida e obra do escritor Lima Barreto (1881-1922).

Entre outras coisas, o carioca de 80 anos, autor de incontáveis e grandes sucessos da música brasileira, destacou que o sistema de cotas é uma reparação de erros e crimes cometidos pela socidade de um país, que “foi o mais escravista do mundo”. Ele disse ainda que, as redes sociais, com o seu efeito multiplicador e o momento atual produz a coragem de mais pessoas se apresentarem como racistas, uma situação medida pelo aumento de denúncias e crimes praticados contra a população preta.

Confira questões respondidas pelo convidado do Sesc Mogi para a abertura do projeto que celebra a obra de Lima Barreto e propõe reflexões sobre o preconceito e a Consciência Negra, cujo dia celebrado neste domingo (20) será, pela primeira vez, marcado pelo feriado municipal em vigor em Mogi das Cruzes.

Diferença salarial entre brancos e negros e a escravidão no Brasil:

Nei Lopes – (No Brasil) você tem que trabalhar muito mais para vencer, as pessoas dizem que o sistema de cotas é um apadrinhamento, não é assim, o sistema de cotas é para compensar um erro, um crime cometido pela maioria da sociedade brasileira no passado. Quando você quando vê uma corrida atlética ou de automóveis, na pista, você observa que todo mundo sai da mesma linha de largada, do mesmo lugar, emparelhadas de uma mesma forma, para que todos tenham uma oportunidade igual. É a diferença na corrida entre a lebre a tartaruga, a tartaruga perde, não por inferioridade, mas por causa de suas condições. E essa condição social foi imposta (à população negra). O Brasi foi o país mais escravista do século XVI e XVII (primeiro com os nativos, depois com os africanos com o tráfico de pessoas).

A sociedade brasileira foi a mais escravista do mundo, mais do que os Estados Unidos e do que Cuba, o país foi o campeão do racismo, da discriminação, da exclusão social. Mas, para lutar é que a gente está aqui, pronto, para assumir como um trabalho, eu tenho 80, tenho uma história de 44 para 46 livros escritos sobre esse tema, 40 anos de comunicação, mais de 50 anos na música e mais de 500 gravadas, algumas com alguns sucessos, estamos fazendo a nossa parte (nesta luta).

Por isso, eu me defino como um afrodescendente, carioca, suburbano. A cultura carioca toda emana do subúrbio, quando você chega na Rocinha, que é na Zona Sul, e você vê a efervenscência cultural dessa região, ela é feita por gente que saiu do suburbio. 

 

As novas gerações de brancos e negros estão mais conscientes da desigualdade no Brasil?

Nei Lopes – Sim, completamente. No meu curso ginasial, que é quase a finalização do Ensino Médio hoje, estudei em uma escola que tinha até uma proporção de negros e não negros, até havia um equilíbrio. Mas, havia uma brincadeira dos professores de Educação Física, que era um time de futebol de negros contra brancos, era o chamado racismo recreativo. E, às vezes eu participava, como goleiro, e as pessoas diziam você não é uma coisa, nem outra. Isso era uma violência, eu acho que hoje, ninguém faz isso, mas a consciência sobre a nossa etinicidade está sendo vista com muito cuidado. Eu acho que não mudou totalmente e houve um incremento nos últimos quatro anos (do racismo) porque o exemplo veio lá de cima. Há mais pessoas discriminando o outro. Outro dia ouvi que uma moça foi comprar um remédio, numa farmácia, e foi discriminada por uma vendedora porque a vendedora achava que ela tinha de comprar um medicamento genérico, porque era mais barato e a moça queria o daquela marca, porque era o que o meu pai tomava. São formas de racismo que estão voltando porque as pessoas se acham com coragem, hoje, de ser racista. A partir do ano que vem, eu acredito que isso pode mudar um pouco.

 

As redes sociais podem ser aliadas nesta luta?

Nei Lopes – A rede social pode ser favorável ou desfavorável, e tem muita gente extremamente contaminada pela ideia do racismo, gente que não acredita que nós, afrodescendentes, que nós sejamos a população do Brasil. E, no país, na primeira República, houve uma política de estado para embranquecer a sua população. Na década de 1910, um alto funcionário do governo brasileiro, em um congresso realizado na Inglaterra, falou sobre uma grande expectativa positiva para ele, de que, no século XXI, os negros teriam sido eliminados da população brasileira. E, ocorreu o contrário. E, isso, do ponto do que você considera um negro, e eu digo, na população é formada por brancos, negros e pardos. Não houve uma eliminação, mais houve uma explosão e a maioria da população brasileira é negra. 

 

O que o senhor deseja ver como resultado da luta contra o raciscmo e a desigualdade social no Brasil, para o futuro próximo?

Nei Lopes – Um presidente negro, é o que temos de maior. E se for uma mulher negra, melhor ainda. Nós tivemos no STF o nosso Joaquim Barbosa, pena que ele saiu. Ele representa o ponto culminante, até aqui, de um elemento da nossa etinicidade chegando lá, e se for uma mulher negra, aí, será uma conquista ainda mais gratificante.

 

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