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Grupo de Mogi organiza passeios de bike inclusivos à pessoas cegas

Há oito anos, quando viu uma reportagem na TV sobre cegos pedalando em bicicletas de dois andares, o cicloturista mogiano André Rocha Kuramoto entendeu que tinha uma missão. Ele estava destinado a proporcionar “emoções, liberdade, vento no rosto e os cheiros do caminho” às pessoas. É isso o que faz o projeto Ciclo Sensorial, com […]

24 de dezembro de 2022

Reportagem de: O Diário

Há oito anos, quando viu uma reportagem na TV sobre cegos pedalando em bicicletas de dois andares, o cicloturista mogiano André Rocha Kuramoto entendeu que tinha uma missão. Ele estava destinado a proporcionar “emoções, liberdade, vento no rosto e os cheiros do caminho” às pessoas. É isso o que faz o projeto Ciclo Sensorial, com passeios de bike para pessoas cegas, cadeirantes e/ou com paralisia cerebral.

Naquele 2014, André passou a “consumir conteúdos relacionados ao assunto”. Pensou bastante, e com a ajuda de amigos, juntou dinheiro para comprar uma bicicleta especial. O primeiro passeio não demorou a acontecer, com 200 ciclistas. Quatro deles tinham alguma deficiência visual. E a adesão vem crescendo. 

Pouco tempo antes da pandemia de Covid-19, as rotas envolviam “em média, de 10 a 15 deficientes”, isso sem contar os treinos que o grupo fazia para as “cicloviagens à cidade de Aparecida”.

Oficialmente, o Ciclo Sensorial está em hiato, ainda não tendo encontrado uma forma de retornar plenamente, mesmo com as várias doses da vacina contra o novo coronavírus. Quanto tudo se “normalizar” o projeto voltará com força total. Por enquanto, “extraoficialmente” as atividades continuam acontecendo. Nos últimos tempos, André tem coordenado passeios individuais.

Em 2021, ele atendeu uma cega e a levou até a Vila de Luís Carlos, em Guararema. Mais recentemente, fez o mesmo percurso com outro deficiente visual, acrescentando agora as ciclovias de Mogi das Cruzes. Mas a rotina fixa de antigamente segue suspensa. “A gente fazia treinos técnicos durante a semana, onde eu passava a maneira certa de pedalar. E aplicávamos os aprendizados no domingo”.

Tanto os treinos quanto as trilhas são gratuitas para participar, contando com assistência de segurança e uma van de suporte ao longo das trilhas. Muito raramente há cobrança, e quando acontece, são pedidos valores simbólicos, para serem convertidos em arrecadações para campanhas como o Dia das Crianças ou o Natal.

“O projeto não visa o lucro. Para conseguir me manter, meu maior patrocinador é meu salário. Além disso, tenho amigos, e se estou precisando de alguma coisa, o pessoal se mobiliza”, conta André, que aos 47 anos trabalha na secretaria da Habitação do Estado, no serviço de informação ao cidadão e ouvidoria.

Em outras palavras, ele tem uma rede de apoio, formada por cerca de 20 voluntários que têm conhecimento e equipamentos corretos para conduzir pessoas com deficiência sobre duas rodas. Não é uma escola de ciclismo apenas. É algo mais profundo e introspectivo.
“Damos sim um treinamento básico, mas queremos que a pessoa pedale pelo resto da vida, corretamente, superando maiores distâncias e morros mais íngremes. Por isso, ensinamos também sobre alimentação, hidratação, como fazer manutenção na bike, o que é preciso levar e o que não se deve levar, a importância da segurança”, detalha.

Passeios mais longos também compõem o Ciclo Sensorial, e envolvem preparo de “no mínimo três meses”. Sãos ocasiões pensadas para aumentar a interação entre os membros do grupo e também levantar fundos para causas específicas. 

Nestes eventos, o objetivo é “reunir a maior quantidade possível de pessoas com deficiência, como cegos, cadeirantes e pessoas com paralisia cerebral, para promover a inclusão deles. Queremos que haja interação de igual para igual entre todos”, explica André.

Mais do que as bikes adaptadas ou os roteiros elaborados, esse contato humano é o diferencial do projeto. Não há fisioterapeutas na equipe, mas estão ali pessoas gentis e amigas. “Se o médico disser que a pessoa está livre para participar, vamos confiar nesta palavra e oferecer estrutura, que são as bikes que temos e nossa expertise em conduzi-la, orientá-la na bicicleta, gratuitamente”.

Em muitos dos casos, as deficiências dos participantes são consequências de tragédias ou acidentes, e por isso é preciso um olhar sensível. As conversas iniciais costumam não envolver bicicletas, inclusive. André toma o cuidado de não perguntar o que aconteceu. Ele só precisa saber como conduzir o participante. Nada mais. 

“Quando acontece uma tragédia, todos os familiares são abalados. Geralmente a gente se encontra, fala do projeto, pergunta dos planos e entende o que a pessoa já fez ou não fez e o que espera. Buscamos saber se ela já se imaginou viajando de bike pelo Brasil”.
Ele continua. “O primeiro ponto é a gente fazer um bate -papo descontraído e descobrir, entender a necessidade da pessoa que tem deficiência, de várias formas, como as características físicas e pessoais. A resistência para usar cadeira de rodas é muito grande, por exemplo. Então tentamos entender o quanto aquilo vai ser gritante na vida, a partir de uma conversa que não frisa a deficiência. Mostramos o que a pessoa pode fazer, e não o que vai limitá-la”.

O ponto alto de todo este processo, que começa com diálogo, avança para treinamentos e evolui para trilhas, é uma viagem anual ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. “As pessoas fazem amigos e despertamos um leque de boas opções. Queremos que as pessoas com deficiência sejam enxergadas”, conclui André, que vê no Alto Tietê “uma demanda muito grande relacionada a bike”. 
“Os participantes buscam qualidade de vida, e temos encontrado aceitação por parte do comércio, que antes da pandemia começava a nos enxergar como potenciais clientes”, afirma ele, que finaliza dizendo o Ciclo Sensorial “dá muito trabalho”, mas que isso não importa. Prevalece o “sentimento e o instinto de tentar transformar o mundo em um lugar melhor”.

Essa sensibilidade vem de alguém que não tem deficiência ou “algo que o impeça de progredir”, mas vem de alguém que “já recebeu muita ajuda”. 

“É uma maneira de olhar para trás e dizer obrigado”, conclui o mogiano

 

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