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Escola de Mogi quer aderir ao modelo de ensino Cívico-Militar

A Escola Estadual Professor Cláudio Abrahão, localizada na Vila Jundiaí, em Mogi das Cruzes, quer implementar na unidade o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), uma iniciativa do Governo Federal, que apresenta um conceito de gestão compartilhada nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa com a participação do corpo docente da escola e apoio dos militares. […]

3 de junho de 2022

Reportagem de: O Diário

A Escola Estadual Professor Cláudio Abrahão, localizada na Vila Jundiaí, em Mogi das Cruzes, quer implementar na unidade o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), uma iniciativa do Governo Federal, que apresenta um conceito de gestão compartilhada nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa com a participação do corpo docente da escola e apoio dos militares.
A proposta de adesão ao programa foi feita pela escola à Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP), que já formalizou o pedido junto ao Governo Federal e aguarda uma devolutiva do órgão.

O tema é polêmico e provoca discussões na cidade, até porque não existe um consenso entre educadores, políticos, sociólogos e população sobre a eficácia desse novo modelo de ensino, em que os educadores ficam com a parte pedagógica, e os militares, com a incumbência de administrar o estabelecimento.  

Representantes da comunidade próxima à escola aprovaram a proposta em uma assembleia feita pela direção da Cláudio Abrahão, em abril, para ouvir as famílias e o conselho deliberativo da unidade, que oferece Fundamental II e Ensino Médio para 824 alunos matriculados. 

Pai de dois alunos que frequentam a unidade, o designer e publicitário Rogério Wellington Toivonem Ortiz, afirma que é “totalmente favorável” à adesão ao programa. Na opinião dele, a presença de militares acabaria com a violência e brigas, tornando as escolas mais seguras. 

“Só o fato de ter policiais já inibe crimes, como tráfico de drogas, abusos e violência dentro da escola”, comenta. “Essa é uma forma também de contribuir para a formação dos adolescentes no que se refere à disciplina, o que pode ajudar esse jovem a desenvolver habilidades no futuro. Tem ainda a questão do civismo”, aponta.  
Ortiz acredita que os efeitos disso podem refletir na comunidade, que “passará a ter maior tranquilidade”. Segundo ele, a maioria dos pais e responsáveis por alunos da Cláudio Abrahão é a favor. Ele disse que foi criado um grupo no WhatsApp para falar sobre o assunto e esclarecer dúvidas sobre os processos de implantação do programa na escola, que ainda são muitos. A escola se recusou a falar com a reportagem de O Diário sobre isso. Nem mesmo a Diretoria Regional de Ensino (DER) quis se manifestar. Há mais de um mês este jornal vem solicitando informações a respeito dessa proposta, sem retorno.    

Sobre isso, a pasta estadual de Educação esclareceu apenas, em nota, que realizou uma audiência pública virtual para confirmar o interesse da escola em fazer parte do programa e debater a implementação do modelo. Com o resultado favorável, a Seduc explica que formalizou junto ao Ministério da Educação o interesse da comunidade escolar na adoção do projeto e aguarda uma devolutiva do órgão. 

 

Educadores

Diferente da comunidade, os educadores ouvidos por O Diário se manifestaram “totalmente contra o programa” de escola cívico-militar e afirmaram que o Pecim pode ser “um retrocesso” para o ensino. Esse é o caso do professor Renan Fernando de Castro, diretor de escola pública, que dá aulas em um cursinho gratuito em Mogi.
Na opinião dele, esse programa do Governo Federal “não vai ajudar em nada” a questão da qualidade de ensino e nem contribuir para reduzir a violência nas escolas. Ele entende que para melhorar o cenário educacional no País, não se deve misturar a parte pedagógica com a militar, mas sim ampliar os investimentos no setor, reduzir alunos por salas, remunerar bem os professores para atrair melhores cabeças e mentes para a educação, já que vem caindo cada vez mais o interesse dos jovens em seguir carreira na área. 

“Minha posição é contrária e vejo isso como um retrocesso muito grande na discussão do que é a escola, das perspectivas pedagógicas e didáticas e do papel da escola. Não acredito que isso possa melhor de forma alguma a qualidade de ensino”, avalia Renan. 

Na opinião dele é possível ter escola púbica, com regras na organização e disciplina sem precisar dos militares. “Arma e disciplina militar não têm nada a ver com escola ou controle de turma. O problema da escola não vai ser resolvido colocando militar para disciplinar os alunos”, enfatiza.

O educador observa ainda que na maioria das vezes, a pessoa que defende o programa de escola cívico-militar não é ligada à Educação. “Não tenho conhecimento de que pessoas da área tenham realizado algum estudo com dados sérios fazendo uma relação com as supostas melhorias no ensino a partir desse modelo que envolve os militares. Quem concorda com o modelo são pessoas que não conhecem a educação”, observa.

O professor de Sociologia e Filosofia, Álvaro Dias, também afirma que é contra o modelo cívico-militar por entender que a polícia não deve estar presente dentro das escolas. Ele diz que a violência escolar e urbana não passa por essa questão da militarização das escolas, mas sim por políticas públicas para reduzir  a desigualdade social, ampliar os investimentos em estrutura, tecnologia, esportes, cultura de paz, entre outros problemas sociais que interferem na educação e que foram ampliados pela pandemia. “A solução passa por um investimento na infraestrutura escolar, formação de professores, valorização salarial, coisas que os sucessivos governos têm negligenciado”, reforça. 

 

Socióloga aponta retrocesso

A socióloga Marina Alvarenga afirma que a escola cívico-militar vem com a proposta de reorganização do ensino e de controle social, mas alega que está faltando um debate que leve em conta o jovem da sociedade contemporânea, principalmente aqueles que foram privados de um desenvolvimento global normal em função da pandemia e do isolamento. 

Ela disse que vê “com tristeza” a possibilidade de uma escola de Mogi aderir ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). “A escola tem que ser democrática, respeitar o direito das crianças e dos jovens, ser portadora do respeito aos direitos humanos e mostrar caminhos para que seus alunos sejam cidadãos de bem e plenos”, afirma. 

Na opinião dela, a escola cívico-militar enquadra os alunos, mas não dialoga com as necessidades deles. “Por trás dessa proposta pode ocorrer um retrocesso em discussões fundamentais e urgentes como a questão de gênero, de racismo e de direitos humanos. E isso é assustador”, avalia.

Marina explica que pensa no professor educador, naquele que acredita em mudanças, que planta para ver o jovem florescer. “Por outro lado, tradicionalmente, a máxima do pensamento militar é a obediência. Não é à toa que o lema de nossa bandeira é positivista. Ordem e progresso, mas ordem a que preço?”, questiona.

A escola cívico-militar, segundo a socióloga, tem um propósito subjacente “que assusta”. Embora concorde que a atualmente as escolas não vêm atendendo às necessidades sociais, a socióloga acredita que é preciso cautela. 

“Na escola cívico-militar, os conflitos tendem a ser contidos, não pela via da consciência e do diálogo, mas pela repressão, de modo que o aluno se conforme à regra. Assim, o conflito fica latente, sufocado e pode expressar-se de forma mais contundente pela intolerância à diversidade”, observa.

Sobre o debate a respeito do papel dos pais, que muitas vezes acabam transferindo para as escolas a responsabilidade de educar os seus filhos, a socióloga disse que “sem dúvida, a família está confusa, há muita permissividade, sem limites, sem respeito, sem disciplina e a escola sente isso”. Por isso, “a escola cívico-militar pode ser vista como uma saída para os pais que perderam as rédeas com a educação dos filhos, mas terceirizar a educação não resolve aquilo que é papel da família. Preocupo-me que a ideologia da intolerância, racismo, homofobia e machismo permeie a ideologia das escolas cívico-militares, pois não há educação neutra e o que nos apresenta como solução pode ser uma via de repressão”, reforça.

 

Debate na Câmara

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares foi discutido na Câmara de Mogi, que apesar de ter vereadores contrários, aprovou moção, no mês passado, encaminhada aos governos municipal, estadual e federal, solicitando estudos para implementar o modelo nas escolas da cidade.

A iniciativa foi do vereador Otto Rezende (PSD), que defende o programa por entender que seria uma forma de promover melhoria no aproveitamento dos estudantes, com mais disciplina. Ele alega que diante da violência nas escolas “alguma coisa deve ser feita” e que a união da parte pedagógica com os militares poderia ajudar.

“Os alunos teriam que usar uniforme padronizado e manter uma disciplina. Isso seria impactante para os jovens, muitos deles podem não se adaptar, mas é preciso tentar alguma coisa para mudar a situação em que se encontram as escolas”, argumentou Otto.

Na opinião dos vereadores  contrários, como Inês Paz (PSOL) e Iduigues Martins (PT), o modelo de escola cívico-militar não vai resolver o problema da educação no município. Eles alegam que o certo seria ampliar investimentos nas escolas que já existem, valorizar os profissionais e melhorar a infraestrutura. “Avançar em qualidade de ensino é investir no professor, na jornada de trabalho e melhoria de salários”, argumentou Inês, que é educadora e representante da Apeoesp em Mogi.

O vereador Iduigues também disse que a melhoria do ensino no País deveria começar com a valorização dos profissionais, mais investimentos  na rede pedagógica e em planejamento e alega que a educação não tem que ser militar ou estar vinculada à religião. “Não acredito que a farda ou a religião vai resolver o problema da educação”, diz.

Favorável à moção, o vereador José Luiz Furtado (PSDB) comentou que nos últimos anos, o Brasil investiu menos 40% em educação e acredita que “o problema de violência nas escolas está relacionado à falta de investimento em educação básica”.

 

Pecim: Gestão compartilhada

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) é uma iniciativa do Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Defesa, que tem como público-alvo alunos, gestores, profissionais da educação, militares e a comunidade das escolas públicas de ensino regular, nas etapas Ensino Fundamental II e Ensino Médio.
O programa estabelece suporte técnico e financeiro. Segundo publicações do Governo Federal, a gestão é compartilhada, de modo que a parte pedagógica fica sob a responsabilidade de pedagogos e profissionais de Educação, enquanto a administrativa e de conduta ficam com os militares ou profissionais da área de segurança.

O programa é direcionado para escolas com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e com alunos em situação de vulnerabilidade social. O objetivo é melhorar o processo de aprendizagem nas escolas públicas e se baseia no alto nível dos colégios militares do Exército, das Polícias e dos Bombeiros.

Os modelos estão sendo implementados em vários estados brasileiros. Em São Paulo, apenas duas unidades estaduais fazem parte do Programa: uma em Pirassununga e outra no Guarujá. Ambas passaram pelo processo de adesão em 2021 e implementaram o modelo do Governo Federal a partir de 2022.

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