Corpo de Maria de Jesus Siqueira será velado no Velório Municipal Cristo Redentor neste sábado (14), a partir das 11h30
Dona Mariquinha, que foi babá do ex-prefeito Junji Abe, morreu nesta sexta-feira (13), aos 111 anos, em Mogi (Arquivo - O Diário)
Mogi das Cruzes perde uma de suas centenárias moradoras, Maria de Jesus Siqueira, conhecida como dona Mariquinha, que morreu nesta sexta-feira (13), aos 111 anos. Ela faleceu na casa onde morava, no bairo da Porteira Preta, e teve sua trajetória marcada pelo trabalho na Fazenda do Chá, da família do ex-prefeito Junji Abe, do qual foi babá. O corpo será velado neste sábado (14), a partir das 11h30, no Velório Municipal Cristo Redentor, no Parque Monte Líbano. Até as 11 horas de hoje não havia definição sobre o horário do sepultamento.
Baiana de Monte Alto, dona Mariquinha veio com a família plantar café na região do Vale do Paraíba e, após passar por algumas cidades, chegou à antiga Capela do Ribeirão, hoje Taiaçupeba, em Mogi das Cruzes, onde morou 10 anos antes de ir trabalhar na Fazenda do Chá, da família do ex-prefeito Junji Abe, do qual foi babá.
"Nos anos de 1930, quando a dona Mariquinha era jovem, seus pais vieram da Bahia e se estabeleceram no Vale do Paraíba, que era o rumo da maioria dos nordestinos, porque era forte na cafeicultura brasileira. Na década de 1940, a cafeicultura entrou em decadência lá e estas pessoas que vieram da Bahia, principalmente, perderam seus empregos, contrastando com o Alto Tietê, especialmente Mogi, onde a imigração japonesa floresceu com verduras e frutas. Minha família Abe, em 1930, já tinha produção de hortifrutis no bairro que hoje é o distrito de Biritiba Ussu. Minha mãe, Fumico Abe, precisava ajudar na condução da lavoura e tomar conta da casa. Quando eu nasci, ela teve problema de falta de leite materno e, com os afazeres domésticos, precisava de uma colaboradora. Minha família buscou a dona Mariquinha, esposa de um funcionário da lavoura, a trouxe para nossa casa, na fazenda, para ajudar nas funções domésticas, e ela acabou se tornando minha babá", conta Junji.
O ex-prefeito também destaca o carinho que tem por dona Mariquinha. "Sempre tive nela uma segunda mãe. Era dedicadíssima, leal e eficiente. É com muita tristeza que recebi a notícia de sua morte. Ela morou na nossa casa, na fazenda. Com a chegada das represas na região, entre 1985 e 1990, as atividades agrícolas diminuíram, fizemos acordo com as famílias de funcionários e a dona Mariquinha foi morar na Porteira Preta, onde ainda residia, com uma neta que cuidava dela, já que os filhos são falecidos. Ela iria completar 112 anos no próximo dia 5 de maio", completa Junji.
Filha do lavrador Bibiano Gonçalves Pereira e de Eudóxia Maria de Jesus, que fazia goma para passar roupa, dona Mariquinha viveu a infância humilde ao lado dos oito irmãos. Aos 16 anos, conheceu Antonio Odorico de Lima, criado pela família do político Antônio Carlos Magalhães (1927-2007) e, após o casamento, foi morar no sítio do marido. Mas a seca castigou a plantação, levou os animais à morte e fez a família sair a pé da Bahia com destino a Minas Gerais, onde trabalhou em uma fazenda até conseguir dinheiro para seguir viagem rumo a São Paulo.
Após a passagem por cidades como Piratininga, Garça, Bauru, Tupã e Brasília, todas no Interior do Estado, ela, o marido e os filhos chegaram primeiramente à antiga Capela do Ribeirão, e depois foram para a Fazenda do Chá, da família Abe, onde ficaram por quatro décadas.
Viúva do primeiro marido e analfabeta, Mariquinha deixou o sítio com os filhos em 1962, quando se casou com Paulino Inácio Nunes de Siqueira - falecido em 1991 - e foi morar no recém-formado bairro Porteira Preta, onde residiu até o final da vida. Ela teve os filhos Teresa, Francisco, Gersolino, Gerson e Maria Aparecida, netos, bisnetos e trinetos.
Personagem da série Entrevista de Domingo, de O Diário, em 2 de setembro de 2018, a ‘corintiana da gema’, como se autodenominava, contou suas histórias e o segredo da longevidade, à epoca com 106 anos. Confira a íntegra:
Ficaram lembranças da infância?
Nasci no dia 5 de maio de 1912, na cidade de Monte Alto, na Bahia. Com os irmãos José, Manoel, Francisca, Antonio, Joaquim, Jovelino e Júlia,
tive uma infância humilde, porém com muito amor dos meus pais (Bibiano Gonçalves Pereira e Eudóxia Maria de Jesus). Brincava e subia em
árvores desde muito pequena. Aliás, continuei pequena, porque tenho menos de um metro e meio (risos.) Também trabalhei desde cedo para ajudar a família, fazia farinha, costurava e lavava roupas. Era uma época difícil, meu pai trabalhava na roça e minha mãe fazia goma para passar roupa. Tudo ficava muito longe do sítio. Para fazer compras, meu pai viajava com tropa. Não havia nem sal para preparar a comida. Um rapaz nadador era quem atravessava o rio para ir buscar. Também andávamos
três léguas para pegar água de beber, mas como ela era barrenta, precisávamos coar antes de tomar. O fogão era à lenha.
Quando a senhora conheceu o primeiro marido?
Aos 16 anos, conheci meu marido (Antonio Odorico de Lima), que era cinco anos mais velho que eu. Ele teve febre amarela, na época chamada
de varicela, e foi salvo pela dona Hercilia Magalhães, casada com o coronel Necotonio Magalhães, avô do político Antônio Carlos Magalhães. Ele passou a morar com a família, que era rica, considerada milionária
para a época. No dia do casamento, marcado na casa da dona Hercília, o juiz cobrou 10 contos de réis e disse: ‘Vou cobrar 10 contos porque é o mesmo peso do noivo’.
E depois do casamento?
Minha família toda foi morar na casa do Odorico, que era bem maior, e suas terras eram muitas, chegando a 200 alqueires. Depois de dois abortos espontâneos, minha primeira filha, Teresa, nasceu em 1934. Dois anos depois, veio o Francisco e, em 1938, os gêmeos Gerson e Gersolino. A minha primeira grande perda foi a morte do Gerson, com 2 anos de idade, depois de um mal súbito. Chorei um mês sem sair da cama, até que em um sonho, o Gerson apareceu e disse: “Mãe, não chore mais”, torcendo as roupas e dizendo ser minhas lágrimas.
Por que a família veio para São Paulo?
Em 1939, a seca toma conta da região toda e levávamos um dia para buscar água no rio mais próximo. Era uma tristeza só. Os animais morriam de sede e fome e a oficina de farinha parou. A maioria do que era plantado não nascia e o que brotava morria. Carregava a roupa na cabeça uma légua e meia para lavar no rio. Saía de casa de manhã e só voltava à noite, com tudo seco. Não havia mais esperança. Meu pai, autoridade, respeitado e temido por todos, tomou a decisão e com minha mãe, os filhos José, eu, Manoel, Antonio e Julia, meu marido e meus filhos Teresa, Francisco, Gersolino e Gerson, na época ainda vivo, levantou a cabeça e saiu em busca de uma vida melhor. Deixamos tudo para trás e viemos para São Paulo. Primeiramente, seguimos para Minas Gerais, a pé, dormindo ao relento, na rua, debaixo de árvores. Levamos coisas para comer e algum dinheiro, mas quando isso acabou, paramos na Fazenda Vaca Brava, em Espinosa, próximo de Belo Horizonte, que era do senhor José Benvindo, amigo do meu pai. Ali nos deram casa, comida e trabalho. Formamos uma lavoura de algodão e oito meses depois, a
mando do meu pai, que não parava em lugar nenhum, juntamos tudo novamente e seguimos viagem para São Paulo, mas desta vez, de trem. Neste período perdi mais uma filha, que nasceu morta.
Para onde a família foi?
Chegamos na Fazenda Laranja Azeda, já em São Paulo, e trabalhamos no corte de lenha. Durante três anos continuamos viajando e passamos por Piratininga, Garça, Bauru, Tupã e Brasília, ainda no Estado de São Paulo. Eu trabalhava na lavoura de café e como costureira e rendeira. Meu pai, homem autoritário, quando resolvia mudar não se importava com nada e não ouvia ninguém, deixava lavouras prontas para trás e simplesmente
dizia: ‘Arrumem tudo, estamos nos mudando’. Chegou até a tentar o suicídio, tomando veneno, quando foi contrariado. E não aceitava
que apenas parte da família o seguisse. Queria todos juntos sempre. Finalmente, chegamos a Mogi das Cruzes, onde primeiramente moramos na casa do meu irmão Joaquim e da mulher dele, a Ema, que já estavam aqui, em um sítio na Capela do Ribeirão, que agora é Taiaçupeba. Ficamos 10 anos morando todos lá, em uma casa pequena, mas muito bem acolhidos por eles.
E depois?
Minha família foi convidada para trabalhar na Fazenda do Chá, no Km 15, em Biritiba Ussu, de propriedade de Izumi Abe, pai do Junji Abe (ex-prefeito de Mogi), que na época era uma das mais importantes da região. No dia 22 de junho de 1944, mudamos para lá e a partir daí decidimos não mais sair de Mogi. Minha filha Teresa se casou com Benedito, que també morava na fazenda; em 1952 nasceu minha primeira neta, Benedita, e pouco tempo depois, minha filha caçula, Maria Aparecida. Esta foi a melhor época da minha vida. Meu marido gostava de baile e junto com o Zé Bitão, outro funcionário da fazenda, fazia bailes todos os sábados. Ele tocava sanfona e todos dançavam. Era muito animado. Ali moravam várias famílias de empregados que trabalhavam nas lavouras de chá, repolho, batata-doce e batatinha, e todos se davam muito bem, uns ajudavam os outros e formávamos uma única família. Ajudei a dona Fumico, mãe do Junji, a cuidar dele e dos outros filhos quando crianças.
Há mais lembranças desta época?
Quando chegava o final do ano, íamos todos para Aparecida, sentados em bancos de madeira montados na parte de trás de um caminhão, como se fosse um pau de arara. Outro caminhão levava feixes de lenha para cozinharmos onde parávamos, cobertores, esteiras para colocar no chão e dormir, além de panelas, alimentos e outras coisas para passarmos os dias na estrada ou em Aparecida, onde alugávamos quartinhos para ficar de três a quatro noites. Eu costurava os ternos dos homens e os vestidos das mulheres para estas ocasiões. Outra lembrança gostosa era dos casamentos. Quando alguém da fazenda ia se casar, nós ficávamos a semana inteira preparando as coisas da festa, todos juntos. E também me lembro que como não havia maquinários como hoje, tudo era feito na mão, como por exemplo, a escolha das batatas, que eram separadas uma por uma. Mas a fazenda ficava bem longe do centro da Cidade e sempre que precisávamos de compras, era preciso ir a pé até o armazém do Jorge Salomão, perto da antiga rodoviária (Praça Firmina Santana), pela Estrada Velha. Ficamos morando na fazenda uns 40 anos.
Por que a família deixou a Fazenda do Chá?
A vida seguiu até que em agosto de 1961, meu marido morreu por causa de um câncer de próstata. Em abril do ano seguinte, me casei novamente,
com Paulino (Inácio Nunes de Siqueira), que era viúvo e tinha quatro filhos (Orlando, Benedito, Isaura e Aparecida). Decidimos então sair da
Fazenda do Chá e fomos parar na Olaria do João Pavaneli, no km 12 da Rodovia Mogi-Bertioga. Meses depois, mudamos para o km 8. Compramos um terreno no Bairro da Porteira Preta, que ainda estava se formando,
e construímos uma casa de barro, em 1964. Por aqui só havia alguns sítios e nada de casas. A rua era de terra, não tinha iluminação e a água
vinha do poço do fundo do quintal. Para fazer compras no centro da cidade, pegávamos a jardineira, que passava apenas em dois horários. Era uma para ir e outra para voltar. Meu segundo marido morreu em 1991,
após parada respiratória.
A senhora está com 106 anos, lúcida e com saúde. Qual o segredo?
Acho que não tem segredo. É por Deus. Sou muita religiosa, sempre tive oratório em casa e sou devota de vários santos, mas principalmente de Nossa Senhora Aparecida. Não tomo remédios, adoro comer arroz, feijão, carne e batata e não gosto de frutas, verduras e legumes. Sou corintiana da gema, por isso meu aniversário de 100 anos foi todo com a decoração do Corinthians. Para falar a verdade, não esperava chegar onde cheguei, mas há pouco tempo fiz exames e o médico disse que não tenho nenhuma doença e estou bem de saúde. Então, dou graças a Deus.
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