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Depois da pandemia, educadores notam que alunos retornaram com dificuldades

Após quase dois anos com aulas presenciais suspensas por conta da pandemia do novo coronavírus, a Educação passou a retomar no início deste ano a obrigatoriedade dos alunos comparecerem às unidades escolares. E com um período extenso de isolamento social, as consequências para os estudantes – principalmente nos mais novos – têm sido perceptíveis para […]

30 de julho de 2022

Reportagem de: O Diário

Após quase dois anos com aulas presenciais suspensas por conta da pandemia do novo coronavírus, a Educação passou a retomar no início deste ano a obrigatoriedade dos alunos comparecerem às unidades escolares. E com um período extenso de isolamento social, as consequências para os estudantes – principalmente nos mais novos – têm sido perceptíveis para os educadores.

Além de um certo atraso pedagógico, é possível perceber também outras questões, como a ansiedade e até mesmo o desconhecimento por atividades simples feitas em grupo.

Em Mogi das Cruzes, Simone Machado da Rocha é diretora da Escola Municipal Carlos Alberto Lopes, no Mogilar. Desde que as aulas foram retomadas, ela diz que a percepção é de que muitos alunos voltaram como se ainda tivessem a mesma perspectiva de quando deixaram de ir para a escola, em 2020.

“Nós estamos vivendo duas situações diferentes: têm aqueles alunos que estavam na rotina de estudo e, depois que ficaram longe, retornaram com uma série de fatores que interferem na educação. Mas, também temos aqueles que estavam na Educação Infantil, fizeram o primeiro ano do Ensino Fundamental remotamente e agora chegaram para o segundo ano muito imaturos, tendo problemas até para usar coletivamente os espaços da escola”, diz a educadora.

Simone trabalha na educação há 25 anos e diz que nunca viu nenhuma situação semelhante com a que está vivenciando agora, com um impacto tão negativo na vida das crianças como foi com o isolamento social causado pela pandemia. Mas ela levanta um ponto importante: de que isso serve para mostrar à população o quanto a escola é imprescindível e que a recuperação é possível com um trabalho sério, focado, com objetivos claros e uma equipe empenhada. Tudo isso, claro, contando também com o apoio dos pais e responsáveis pelos alunos.

“É fundamental que as famílias também entendam o momento que estamos vivendo, eles precisam entender que o prejuízo pedagógico foi gigantesco e para que a gente consiga resolver isso precisamos das crianças nas escolas. Nesse primeiro semestre que passou nós lidamos com uma infrequência escolar muito grande. Naqueles que ficaram isolados, mas que agora estão frequentando regularmente, nós já percebemos avanços significativos, a gente precisa dessa presença”, alerta a diretora.

Além dos estudantes, os pais têm passado por um período de readaptação da rotina. Enquanto comparecer presencialmente nas aulas, antes da pandemia, era uma obrigatoriedade, as famílias já estavam adequadas. Agora, alguns pais mudaram seus hábitos e ainda estão buscando maneiras para levar e buscar os filhos nas escolas ou estão ainda voltando a compreender que faltar com frequência não faz bem para a aprendizagem e para o desenvolvimento da criança e do adolescente.

Na escola que dirige, Simone conta que sempre foi um costume ir atrás das famílias quando o aluno começava a faltar muito. Esse trabalho segue sendo feito para tentar recuperar essa rotina e reestabelecer  a frequência nas aulas presenciais.

Pedagogicamente falando, é perceptível um certo atraso entre os estudantes. No segundo ano do Ensino Fundamental, por exemplo, quando a alfabetização começa a ser intensificada, as professoras tiveram de retomar outras abordagens por conta desse contexto de adaptação.

“E isso que estamos fazendo não é nem voltar o conteúdo, é realmente uma adaptação. Temos um material da Secretaria de Educação que foi preparado com base em um documento que foi preparado ao final do ano passado, que é refente à recomposição das aprendizagens. Com ele, nós trabalhamos com a criança os conteúdos que são essenciais e podem ter ficado perdidos durante esses anos de isolamento. Nós sabemos que seria impossível trabalhar tudo o que foi perdido, mas conseguimos selecionar o que é primordial e trabalhar em cima disso”, explica Simone.

Enquanto esse trabalho vem sendo feito, a educadora ressalta que é importante ter paciência e disciplina, tanto na escola quando em casa. Isso porque os estudantes precisam ter também o apoio dos pais e responsáveis durante esse momento, já que muitas vezes toda a família fica ansiosa por resultados e para que as coisas voltem a ser como eram antes da pandemia.

 

Atrasos pedagógicos são registrados

Ficar longe da escola durante o período do isolamento social da pandemia, causou atrasos pedagógicos para as crianças e adolescentes, mas também foi motivo de problemas psicológicos. Trabalhando diariamente com esse público em seu consultório, a psicóloga Aline Andolfo tem atendido diferentes casos de problemas bastante semelhantes.
Entre as crianças de 1 a 4 anos, por exemplo, a especialista tem notado que muitas delas foram prejudicadas na aquisição de linguagem e comunicação verbal.

Com isso, muitas famílias chegam ao consultório imaginando diagnósticos, mas ela alerta: é preciso ter muito cuidado para que os efeitos da pandemia e do isolamento não sejam ignorados.

Outras crianças foram prejudicadas no quesito da alfabetização e precisaram um tempo de adaptação das escolas para a readequação no modelo de ensino. Além disso, as crianças menores possuem maior dificuldade em manter-se em uma atividade por longo período de tempo e isso, após o período de maior permanência em casa, foi ainda mais desafiador para muitas famílias e escolas

“Para as crianças mais velhas e adolescentes a pandemia afetou também o quesito aprendizagem em relação a conteúdos curriculares, porém, como profissional eu tenho visto um prejuízo ainda maior na questão da socialização para alguns jovens, e os números de depressão e ansiedade cresceram demasiadamente durante a pandemia. Especialistas alertam que esses números ainda tendem a subir, infelizmente”, afirma a psicóloga.

Aline lembra ainda que cada um reagirá de forma única aos efeitos da pandemia, já que esse impacto depende de outros fatores, como o meio em que a criança vive, a classe social, a dinâmica familiar e a rede de apoio da família.

“O luto causado pela pandemia não se deu apenas pela perda concreta de morte de parentes, familiares e pessoas próximas. Mas, por todas as perdas que as crianças e adolescentes tiveram durante esse período e que deixaram marcas em muitos, como a falta da possibilidade de interação social com outras crianças da família, com as pessoas da escola, com possibilidades perdidas de fechamento de ciclos como as formaturas”, diz

E neste momento de readaptação, a psicóloga explica que as escolas e as famílias precisam estar preparadas e atentas, já que todo comportamento é uma maneira de comunicação. E, então, a integração deve ser trabalhada de uma forma cuidados e acolhedora e buscando entender como a criança passou por esse momento, para que isso possa contribuir com o desenvolvimento e a retomada das habilidades.

Os pais podem contribuir estreitando os vínculos. Neste momento, precisamos ainda mais, de laços afetivos fortalecidos para que a criança ou adolescente se sinta seguro para lidar com os desafios e prejuízos que a pandemia causou. Compreensão, diálogo e presença efetiva de qualidade são chaves para ajudar nesse processo”, conclui Aline.

A especialista orienta ainda que nos casos em que as coisas estão mais difíceis e os pais e responsáveis não estão sabendo lidar com a situação, o ideal é buscar por ajuda profissional. Os municípios da região oferecem atendimento gratuito através das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

 

Rotina presencial muda interesses e os hábitos

Prestes a completar 11 anos no próximo mês, Pedro Henrique Lima Araújo tinha apenas 8 anos no início da pandemia, quando o isolamento social se fez necessário. Com isso, as aulas passaram a acontecer somente pela internet. Hoje, com o estudo presencial de volta, a mãe dele, Maria Edlene Alves de Lima Araújo, avalia quais foram as consequências deixadas na educação do filho.

“A minha maior dificuldade com ele tem sido o uso do celular. Durante o isolamento, ele fazia as atividades no celular e também era a diversão dele. Agora, eu falo para ele que esse tempo em frente a tela precisa diminuir, eu fico monitorando, mas é difícil. É como se ele tivesse ficado mais preguiçoso”, conta a mãe.

Mas, ainda assim, o menino tem garantido boas notas. O que ainda preocupa Edlene é a resistência que ele tem mostrado em cumprir uma rotina, além de o tempo todo querer jogar no celular ou ficar nas redes sociais.

E para tentar ajudar Pedro Henrique, a mãe conta que não deixa de cobrá-lo, porém, mais do que isso, observa que tem buscado compreender o lado dele, porque sabe que o momento foi difícil e atípico. As aulas sofreram interrupções entre os modelos online e presencial durante dois anos.

Uma característica que ela sempre notou no garoto foi o fato dele gostar de aprender na sala de aula, com os professores. Isso não acontecia durante o isolamento, o que foi uma dificuldade para ele que agora tenta a se habituar novamente com o ensino.

“O bom é que ele sempre gostou muito de ir para a escola. Mesmo quando estava doente, ele queria ir. Então, esse retorno não teve essa dificuldade, por ele gosta de ir. Agora, ele só precisa a entender que as coisas também acontecem fora do celular, mas nós vamos conversando e ele tem me compreendido bastante”, afirma Edlene.

Pedro Henrique estuda na Escola Municipal Carlos Alberto Lopes, no Mogilar. A mãe elogia o esforço da equipe gestora nessa retomada e diz que é fundamental esse empenho para que os alunos consigam voltar às suas rotinas.

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