Em Mogi, 3,3 mil moradias foram regularizadas desde 2009; meta é entregar documentação de mais 5 mil até 2024; processos de 15 núcleos tramitam na Prefeitura
(Mariana Acioli)
Carla Olivo
O deficit habitacional em Mogi das Cruzes, estimado hoje em cerca de 30 mil moradias pela Coordenadoria Municipal de Habitação, deve sofrer alteração com a implantação do novo cadastro, a partir deste mês, para atualização dos dados e apontamento das diretrizes a serem adotadas para minimizar o problema. A iniciativa faz parte do Programa Mogi Meu Lar, lançado em junho, que inclui regularização fundiária e reforma de unidades habitacionais.
Segundo o coordenador municipal de Habitação, Rogério Dirks Lessa, atualmente, dos 80 núcleos de regularização fundiária da cidade, 65 tiveram o processo de estudo iniciado e aguardam o término de estudos ambientais e análise de órgãos estaduais, e 15 estão com o andamento mais adiantado na Prefeitura e tramitam simultaneamente, envolvendo 5,7 mil famílias. A meta é realizar 5 mil novas regularizações no atual mandato, entre 2020 e 2024.
Estão envolvidos nestes 15 núcleos, moradores dos bairros Chácaras Guanabara - fase 1 (600 famílias), Sítios Murata (60), Recanto Céu Azul (80), Vila Apolo (40), Jardim Santos Dumont II e III (600), Jardim Aeroporto I e II (600), Jardim Aeroporto III (800), Jardim das Bandeiras (31), Vila Estação (184), Novo Horizonte (100), Nova União - fase 2 (120), Conjunto Santo Ângelo (1,5 mil), Jardim Natal (fase 1 - 60), Vila Moraes (fase 1 -109) e 14 quadras de Jundiapeba (700).
Ainda neste ano, estão previstas regularizações e entregas de títulos de propriedade a moradores do Conjunto Toyama (740 unidades), Vila Estação (183 títulos), Vila Moraes (fase 1 - 109 títulos) e Vila Nova União (fase 1 - 170 títulos). Para os próximos anos, as metas são atender as famílias da Chácara Santo Ângelo (fases 2 e 3), CDHU César de Souza, CDHU Pitangueiras, Vila Estação (fase 2), Jardim Aeroporto III, Vila Nova União (fase 2), Jardim Novo Horizonte e o Conjunto Habitacional José Bezerra de Melo (Jundiapeba).
O processo está em estágio adiantado em algumas regiões, como a Chácara Santo Ângelo, onde todo o processo de regularização irá beneficiar 1,5 mil famílias. No último dia 23 de maio, foi assinada a certidão da fase 1. A expectativa da administração municipal é, em breve, anunciar o início efetivo da regularização, com previsão de entrega de 500 títulos de propriedade ainda em 2022, pela fase 1.
Desde a criação da Coordenadoria Municipal de Habitação, em 2009, 19 núcleos foram regularizados, totalizando 3.397 unidades. Segundo a Prefeitura, 890 deles do início de 2021 para cá.
“Geralmente, em áreas já consolidadas, com infraestrutura e sem problemas ambiental, este processo de regularização fundiária leva de 12 a 18 meses para ser concluído”, explica o coordenador.
Ele destaca que também estão previstas melhorias habitacionais do programa Viver Melhor, do Governo do Estado de São Paulo, que irão contemplar cerca de 500 moradias na Vila Estação, Jundiapeba e Jardim Nova União.
“Há áreas em que estamos fazendo a regularização fundiária, mas as casas são muito simples, sem encanamento adequado, com problemas na rede elétrica, e estas intervenções de melhorias darão mais segurança aos moradores”, completa Dirks.
"Como é que um desempregado paga aluguel?"
Mariana Acioli
Maria Aparecida da Conceição, aos 61 anos, mora na companhia de sua neta, de 17 anos, e atualmente vive o sonho da casa própria. Mas a conquista só foi alcançada despois de muita luta pela regularização fundiária que demorou mais de 30 anos, desde que a camareira cercou o terreno para começar a construir o lar de alvenaria, no Jardim Jussara.
No início da década de 1990, ela, junto da família, teve permissão da gestão da época para ocupar um pedaço de terra que era da Prefeitura. “Cercamos o terreno e foi aí que começamos a construir. Não tinha asfalto, não tinha iluminação, não tinha rede elétrica, água, não tinha nada. Aos poucos fomos ficando”, conta Maria, ressaltando que durante muitos anos, ela e os moradores daquela região, batalharam muito para conquistar o básico.
“Hoje só estamos sem redes de esgotos ainda”, brinca, chamando atenção para o problema.
Foi no final do mandato da última gestão, em 2020, que Maria Aparecida e os outros moradores da rua, finalmente, conquistaram o título de regularização fundiária, superando o medo diário do despejo.
Com a casa de alvenaria arrumada e decorada, a preocupação com o aluguel tira o peso de mais um gasto para o sustento dela e da neta. “Se hoje, do jeito que a situação está no Brasil, onde você não tem R$ 7 pra comprar um litro de leite, como que você desempregado paga um aluguel? A gente estaria debaixo de uma marquise por ai, dependendo da ajuda das pessoas”, enfatiza. A camareira, que atualmente está de licença médica fazendo tratamento para dores crônicas, ainda recebe ajuda dos filhos para se sustentar, além de contar com o pagamento da Renda Brasil.
Dona Cida, como é chamada, se enche de gratidão pelas pessoas envolvidas para fazer o sonho acontecer, sempre mencionando os nomes de cada pessoa que lembrava, ressaltando a importância dessa realização, após décadas de luta.
SANTOS DUMONT
DIFÍCIL Famílias que construíram em terrenos vendidos irregularmente temem o despejo e a destruição das casas que construíram (Mariana Acioli)
Carla Olivo
Desde a última década, um grupo estimado em 400 famílias começou a chegar ao Jardim Santos Dumont com a esperança de iniciar uma vida nova. A maioria comprou terrenos, com contratos de gaveta, e começou a construir a casa própria, mas não imaginava que caía em um golpe.
O local é considerado Área de Proteção Ambiental Permanente (APP), à margem de um dos córregos da bacia do rio Jundiaí e não poderia receber construções. No início deste mês, uma decisão judicial intimou um grupo de famílias a deixar 20 casas construídas no terreno da rua Trindade, no prazo de 30 dias, após a citação da intimação, para desmonte dos barracos levantados no local.
Na semana passada, o advogado Ricardo Pastore Almeida, representante de 14 das primeiras 30 famílias que receberam notificação para deixar o local, ingressou com pedido judicial para efeito suspensivo da liminar concedida pela Justiça no processo de reintegração de área por parte da Prefeitura.
“O juiz concedeu a liminar com 30 dias para saída do local e agora protocolamos o pedido para efeito suspensivo. Acredito que, em breve, saia uma decisão para que as famílias possam permanecer na área até o julgamento do mérito, o que ainda não tem previsão”, explica o advogado.
De acordo com ele, a maior parte dos moradores do local comprou o terreno de posseiros. “Eles têm ligação de água e luz legalizada e a rua também é devidamente asfaltada; então houve uma regularização por parte do poder público. Apenas não tem o reconhecimento da Prefeitura, com o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), mas isso não impediu que o Semae (Serviço Municipal de Águas e Esgotos) fizesse as ligações de água”, conta o advogado.
Ele rebate a justificativa de que o local precisa ser desocupado por se tratar de área de preservação, próxima ao rio. “Não tem mais como proteger aquela área por causa das construções que existem lá. Há igrejas, mercadinhos e tudo mais ali”, completa.
Análise
A Prefeitura de Mogi informou, em nota encaminhada a O Diário, que a situação da área passa por análise. “É uma área que está em processo de regularização fundiária. Está em estudo urbanístico que indicará se há possíveis problemas de alagamentos e se haverá necessidade de desocupação. A regularização fundiária faz a identificação dos moradores por meio de cadastramento social”, explicou a administração municipal.
Residindo em dois cômodos construídos há quatro anos no terreno que comprou por R$ 8 mil, com contrato de gaveta, no Jardim Santos Dumont, a pastora Rosemeire Santos Silva, 53 anos, é uma das moradoras do bairro que recebeu a notificação. No imóvel, ela também mantém uma unidade da igreja Assembleia de Deus, que a comunidade ajudou a construir.
“Trabalhei como cuidadora de idosos para conseguir comprar um terreno e construir um quarto e uma cozinha. Na igreja, fazemos trabalhos comunitários e entregamos 30 cestas básicas a famílias necessitadas que frequentam os cultos. Meu marido é aposentado, faz tratamento contra um câncer e usa bolsa de colostomia. Os gastos são altos e não temos condições de sair daqui e voltar a viver pagando aluguel”, explica a pastora.
Apreensão após golpe
SUFOCO Meiraídes Ferreira veio da Bahia e construiu sua casa em área irregular (Mariana Acioli)
TEMOR “A gente não dorme direito”, diz Luiz Rodrigues, do Jardo, Santos Dumont (Mariana Acioli)
Mariana Acioli
Após caírem em um golpe, moradores do Jardim Santos Dumont, em Mogi, enfrentam a incerteza e o medo de serem despejados de suas casas. Os terrenos da rua Tailândia, no bairro, foram comercializados sem qualquer aviso de irregularidade, com contratos de gaveta, mas o local é Área de Proteção Ambiental (APA), onde construções não são permitidas.
A ameaça de despejo ronda estas famílias que lá começaram a construir suas casas. “A gente nem dorme direito porque a qualquer hora podem vir e derrubar tudo”, conta Luiz Alberto Rodrigues, que mora na região há quatro anos. Segundo ele, em 2020 recebeu a primeira notificação informando sobre o processo de desocupação, mas agora, a apreensão é maior, após a chegada de novas notificações a moradores da rua.
A nordestina Meiraídes Santos Ferreira, 50 anos, saiu da Bahia buscando alternativas para não gastar com aluguel, ao lado do marido, que ficou cinco meses desempregado. Há quase dois anos, moram no Jardim Santos Dumont e depois de muito suor para conseguir levantar o barraco, receberam o aviso para desocupação. “Estamos todos aqui no mesmo ‘barco’. São pessoas humildes, pobres, trabalhadoras, um monte de desempregados, tem mãe de família desempregada que tirou ‘das gargantas’ para fazer seu cômodo, com banheiro de alvenaria, e está começando a realizar um sonho agora”, relatou a moradora.
Shirley da Silva Nascimento, 23 anos, mãe de dois filhos, teve que sair da Vila Oropó, no processo de desocupação da área em abril deste ano, e foi para o Jardim Santos Dumont. A jovem, que vive de doações, porque seu marido foi preso desde a última ação de desocupação, também está à deriva e angustiada, sem saber o que fazer quando tiver que sair do barraco. “Não sei para onde ir. A gente não tem para onde ir. Todo mundo aqui tem famílias, com crianças”, conta Shirley.
SÃO FRANCISCO
(Crédito: Mariana Acioli)
Carla Olivo
A execução da decisão judicial que determina a desocupação da área da Vila São Francisco, em Mogi, depende do fim do prazo determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para proibição de despejos em função da pandemia, que foi prorrogado até o final de outubro.
O prefeito Caio Cunha (Podemos) disse, em entrevista a O Diário que, após esta data, se não houver nova prorrogação, a Prefeitura de Mogi voltará a pedir autorização judicial para iniciar o processo de desocupação do local, que começou a receber as primeiras famílias em março do ano passado.
“O pessoal da Vila São Francisco está para sair. O STF havia dado prazo e não poderíamos fazer a desocupação até o final de junho, mas isso foi prorrogado. Assim que terminar o prazo, reforçaremos o pedido de desapropriação com o Dr. Bruno (Machado Miano, juiz da Fazenda Pública de Mogi) que, com certeza, vai revalidar o que havia falado antes, e começamos o processo de retirada”, explica o prefeito.
A desocupação, segundo Caio, será feita com cautela. “De fato, tem algumas famílias que moram ali, então, isso está sendo estudado, oferecendo algumas condições. O que acontece naquela região é que há oportunistas que sequer moram ali e comercializam espaço lá”, critica o prefeito.
Ainda de acordo com Caio, a Prefeitura vem reforçando a fiscalização para conter novas invasões. “Estamos pegando pesado, porque todo final de semana tem uma invasão nova, não apenas na Vila São Francisco, mas em diversos lugares de Mogi”, afirma.
O último levantamento feito pela Prefeitura, em fevereiro deste ano, apontou a existência de 159 unidades ocupadas no local. No início de junho, cumprindo mandado judicial, os oficiais de Justiça demarcaram 113 barracos desocupados ou inacabados, que foram desfeitos. “Ao longo da ocupação o poder público vem agindo constantemente para evitar novas construções de alvenaria. E, no momento da desocupação total da área será ofertado acolhimento temporário a quem precisar”, trouxe nota enviada a O Diário.
Até que isso seja possível, a Prefeitura segue defendendo a desocupação voluntária do local. “Nos últimos meses, foram identificados 19 casos de unidades voluntariamente desocupadas. A situação da Vila São Francisco é totalmente imprópria e não oferece o mínimo de segurança ou dignidade às pessoas que lá estão. Desde que a invasão foi identificada, a administração vem prestando atendimento social, mediante oferta de itens essenciais, como cobertores, água, cestas básicas, além de inscrições no Cadastro Único, em programas de transferência de renda, bem como cadastros no programa Mogi Conecta, para dar às pessoas oportunidade de inserção no mercado de trabalho”, completa a nota.
A administração também afirma que equipes da Secretaria Municipal de Educação foram à área verificar se havia crianças fora da escola e forneceu orientações com relação ao registro de crianças no Cadastro Municipal Unificado para acesso às vagas em creches. “Sobre os atendimentos em saúde, todas as pessoas que lá estão podem ter acesso à vacinação contra a Covid-19 e quem precisar de outro tipo de atendimento deve procurar a unidade de saúde mais próxima e solicitar cadastro como nômade”, conclui a Prefeitura.
Alimento ou aluguel
SITUAÇÃO Patrícia Galvão (acima com os filhos) está grávida do sexto filho e foi com a família para a área da Vila São Francisco, após desocupação no Oropó (Mariana Acioli)
Mariana Acioli
Foi em busca de possibilidades para conseguir se sustentar que Patrícia Regina Rodrigues Galvão, 35 anos, juntou sua família e se mudou para um barraco na ocupação da Vila São Francisco, em Mogi. Hoje, a dona de casa, que aguarda a chegada do sexto filho, gasta pelo menos R$ 200,00 por semana com alimentos, o que só é possível graças ao salário-mínimo que seu esposo recebe pelo trabalho com carteira assinada.
Realidades como a da família de Patrícia têm se multiplicado pelo país cada vez mais em razão do alto custo de vida e dos reflexos da pandemia. Mas na escolha entre manter as despesas com alimentação ou aluguel, pessoas como Patrícia acabam optando pela ocupação irregular de áreas.
Primeiramente, a dona de casa se instalou, com a família, na Vila Oropó. Em abril, duas semanas após a chegada ao local, precisou sair.
“Fiz todo o barraco bonitinho, consegui arrumar dinheiro para colocar telhas e madeiras, mas vieram e derrubaram tudo. Três dos meus filhos estavam dormindo e os outros dois na escola. Aí tiraram a gente debaixo de chuva, umas sete e pouco da manhã. Queriam me prender, porque eu não queria sair de dentro do barraco, mas eles não tinham mandado, não tinham nada”, relata Patrícia.
Naquele dia, de acordo com a gestante, os agentes da Prefeitura e guardas municipais destruíram os materiais do barraco, inclusive móveis. “Até hoje ninguém me ressarciu em nada, ninguém fez nada, e viemos para a Vila São Francisco”, conta.
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