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A Vida é um Sopro

Projeto transforma comunidades estudantil em Mogi das Cruzes

Eliane José
20/04/2023 às 15:04.
Atualizado em 22/04/2023 às 09:26

O jornalista que se descobriu professor, Antonio Vides Júnior, à frente do coral “Quem Eu Sou”, formado por alunos de escola pública que se destacou em festival de curtas (Foto: divulgação)

Quando trocou a violenta São Paulo por Mogi das Cruzes há 18 anos, o jornalista Antonio Vides Júnior mal sabia de um futuro que o levaria a envolver quem o escuta - e comunidades estudantil inteira - quando defende segura e apaixonadamente a escola como indutor da transformação social e humana. Ele se tornou professor e professor daqueles que inspiram pelo espírito de motivação que agrega educadores e estudantes.

No ano passado, partiu de uma provocação dele aos alunos do disciplina Projeto de Vida e Culturas, da E.E Professora Enedina Gomes de Freitas, no Jardim Camila, um projeto que resultou, de tacada somente, em reflexões sobre o que é ser adolescente, dentro e fora da sala de aula, na formação do coral da escola - “Quem eu Sou”, em uma apresentação beneficente que resultou na doação de 320 quilos de alimentos - isso, ainda durante a pandemia, quando a articulação dos mestres e adolescentes ficou extremamente atada aos picos de alta e baixa das curvas de casos da doença - e, na cereja desse bolo, o curta-metragem “A Vida é um Sopro”. O filme, premiado no Festival de Curtas de Mogi das Cruzes de 2022, é registro perene das discussões atentas e filosóficas sobre como é ser adolescente em meio à colcha social composta por tramas  insistentes como bullying, violência, educação, abandono, etarismo, intolerância, abandono e outros. 
Vídeos curtos foram produzidos pelos estudantes. E o A Vida é um Sopro, apresentado na escola, como diz Vides Júnior, “fez muita gente chorar” e seguiu para uma disputa com outras peças cinematográficas, acabando por premiar os alunos e professores da “Enedina”.
Dificuldades foram superadas, no decorrer da produção, como a impossibilidade de todos os alunos visitarem os acolhidos pelo Instituto Pró+Vida São Sebastião, onde foram captadas imagens que constróem o contraponto entre a vida na adolescência e na velhice.
“O problema era que ainda estávamos na pandemia, e nem mesmo uma sessão, para os moradores do Pró+Vida, nós pudemos fazer. Convidamos um grupo para ir até a escola, mas haviam a insegurança e as dificuldades para retirá-los do instituto”.
Um grupo de professores e alunos fez essa tarefa. 

Vides reivindica ao espírito de coletividade o resultado do coral, do curta e outras atividades. 80 alunos foram envolvidos “dentro e fora” das câmeras, na produção, divulgação e co-direção. Outros 9 mestres estavam engajados em tarefas como a gravação dos idosos.

Agora, no Jd. Aracy

O professor, que não está mais na Enedina e agora, atua na escola Professora Alzira Fernandes Scungisqui, no Jardim Aracy, prepara projetos semelhantes - música e coral, preparação de vídeo, discussões sobre temas vividos pelos estudantes alimentadas em expressões de interesse deles. Para a ele, a escola é sinônimo de integração e conexão. “É um espaço para integrar todos os que estão ali com o mundo”

É sensível, coletivo e premiado

Um Sopro de Vida foi produzido por alunos da EE Enedina Gomes Freitas, de Mogi das Cruzes, e premiado no Festival de Curtas de Mogi das Cruzes (Foto: reprodução)

Disponível nas redes sociais, A Vida É um Sopro enlaça  o espectador porque documenta a vida como ela é: não é projeto, trabalho de escola, nota do professor, interpretação ou narrativa. É sucessão de escolhas entre o nascimento e a velhice em velocidade dirigida, muitas vezes, não pelo sujeito, mas pelo tempo que passa rapidamente. Essa é uma mensagem possível após assistir ao roteiro com assinatura coletiva dos alunos do sexto e do sétimo ano, da EE Enedina Gomes de Freitas, além de professores. Nomes de todos os autores ao final a peça,  individualiza a obra. Essa autoria conjunta é uma sacada.

“O professor me perguntou o  que é ser criança em um trabalho de escola”, diz garoto. 
“Eu tenho que responder porque vale nota”, aparece logo.

Nessa toada, de provocações sobre o que fazer da vida ou como ser criança, “sem ter muita responsabilidade, brincar, correr, viver”, o filme adentra na pergunta feita uma hora ou outra por todos - como eu, você, nós, lidamos com a linha do tempo a perpassar o ontem, o hoje e o amanhã.

A Vida É um Sopro impõe no título a brevidade que se terá entre a chegada de um bebê e a partida de um idoso para um asilo (instituição de longa permanência é termo politicamente adotado que não supera a realidade destes endereços) ou o abandono e a violência física ou moral praticada dentro de casa, com o aniquilamento civil e social dos mais velhos, do que chegaram primeiro.

As falas sobre a dor, saudade e doenças ditas por professores entre rostos e cenas em preto e branco dos idosos são precisas. “Eu sei que não tenho tanto tempo de vida e o presente? O presente é bem solitário”. 

As crianças, numa ciranda, lançam dicas, uma visita, uma partida de xadrez entre um idoso e um garoto. Ao tratar desse abandono há pressão. “Nós não somos selvagens, que deixam os seus velhos para morrer”. Somos ou não somos?

A beleza da obra está nos atores-alunos. E tem um fecho dorido. Mãe e pai ninam um bebezinho, antes de os créditos subirem. Vem do pai a pérola: “Vamos cuidar dele hoje para ele cuidar da gente depois”. 

A Mogi que fideliza
 
Um sequestro trouxe Antonio Vides Júnior e a mãe para Mogi das Cruzes, em 2004, mesmo período em que a cidade registra considerável aumento população e expansão urbana. Ele residia em São Paulo.

Mas já possuía laços de amizade com a cidade. 

Aqui, no início, foi editor de uma revista e de um jornal diário, o Mogi News. Nunca havia pensado em ser professor, aliás, confessa que era crítico ferrenho da profissão, quando desconhecia o interior do que defende como caminho para o desenvolvimento humano e social.
Casado com um professor - Marcos Alberto de Lima, ele lembra que “criticava muito os professores, na época que eu era jornalista, e eu talvez tivesse uma visão um pouco distorcida da profissão”. Foi o exemplo de casa, do companheiro também dedicado à educação, que o inspirou. 

Deu tão certo que o professor Vides não planeja deixar a sala de aula.

Além de professor,  é escritor. Hoje, assina uma trilogia de ficção voltada para adolescentes, O Universo dos Criadores, que pode ser baixada gratuitamente na Amazon e caminha para o epílogo da série.

A escola reflete a sociedade brasileira, situa, quando lembrado dos recentes ataques. “Nós estamos tendo um suporte, no momento, mas qualquer ação pela educação precisa ser contínua. Atividades temporárias, que se iniciam e são interrompidas, como mudanças de conteúdo frequentes, são prejudiciais. É preciso definir e cumprir prioridades na educação”, diz.  Ele é enfático ao salvaguardar a educação: a escola, diz e concretiza, é instrumento para transformar o mundo. 

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