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DEPOIS DO RESULTADO

Atos antidemocráticos preocupam após derrota bolsonarista

Analistas afirmam que inconformismo pode gerar instabilidades até a posse do eleito e destacam o desconhecimento sobre a Constituição

Eliane José
05/11/2022 às 07:38.
Atualizado em 06/11/2022 às 09:37

É CRIME A intervenção federal para minar o resultado da eleição é reivindicada por bolsonaristas (Mariana Acioli)

Os atos antidemocráticos de uma parcela do eleitorado bolsonarista marcaram o pós-eleição no Alto Tietê, na semana que termina sem bloqueios na maioria das estradas brasileiras, porém, ainda alguns manifestos golpistas articulados por uma minoria inconformada com os resultados das eleições que deram vitória ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. 

Na opinião de analistas ouvidos por O Diário, até a posse, em janeiro, esses tumultos podem ser inflamados pelo posicionamento do presidente Jair Bolsonaro e a atuação das forças públicas complacentes com os ataques à Constituição e à democracia.

“Até a posse viveremos essa expectativa se haverá mais tumulto ou não, especialmente se não houver um posicionamento firme do presidente, que já está em uma posição de isolamento. Seria necessário maior apoio dos que se sentem derrotados. Agora, é preciso dizer que são atos fragmentados, sem organização central, muito diferente do que ocorreu em 2013. São pessoas descontentes com o processo eleitoral. Isso será como uma névoa nas próximas semanas”, avalia o professor universitário Elias Martins Pereira, do Instituto de Pesquisa e Marketing Político, o Ipemp.
Na região, o resultado das urnas confirmou a preferência dos eleitores de 8 das 10 cidades pela reeleição de Jair Bolsonaro, reforçando o perfil do eleitorado de centro-direita do Alto Tietê, com exceção dos municípios de Ferraz de Vasconcelos e de Itaquaquecetuba, onde Lula venceu. Para governador, o mesmo se plasmou com a vitória do engenheiro carioca Tarcísio Gomes de Freitas, do Republicanos e que contou com apoio do PL, partido dirigido por Valdemar Costa Neto, que é de Mogi das Cruzes (veja resultados finais aqui).

Samuel Oliveira, cientista político e integrante do movimento Voto Consciente, analisa que a polarização entre as ideologias de direta e esquerda foi evidenciada pelo ineditismo de um resultado tão apertado, de apenas 1,8% de diferença, entre os votos dados a Lula e a Bolsonaro - na democracia, o esperado seria o derrotado admitir o fracasso, reconhecer a vitória do oponente e atuar como oposição ao eleito para tentar nova disputa, em 4 anos.

Ao não se posicionar firme e rapidamente, Samuel conta que o presidente nutriu a base que o apoia. Porém, a despeito disso, a transição ocorre, inclusive, destaca o cientista político, com pioneirismo: a articulação do presidente Lula para aprovar a PEC que garantirá o pagamento do Auxílio Brasil (que voltará às origens, como Bolsa Família). “A aprovação do  orçamento por um presidente antes da posse acontecerá pela primeira vez”, destaca.

Os ataques antidemocráticos, opina Oliveira, não devem ganhar fôlego porque além do cenário de divisão no país, o presidente teceu o próprio isolamento, até mesmo de lideranças evangélicas, como Silas Malafaia e Edir Machado, ambos já pediram orações por Lula.

Mas, qual será o futuro do bolsonarismo? Oliveira responde que esse grupo é formado por cerca de 10% a 15% do militantes radicais, cuja sobrevida dependerá da agenda dos 100 dias de governo Lula, entre janeiro e abril, e de outros fatores conectados à gestão de Bolsonaro.
“A gente cita o trumpismo, logo após os primeiros meses do governo Joe Biden, e as investigações e denúncias surgidas contra Donald Trump que tiveram, como consequência, a perda de seguidores. Não sabemos se isso se repetirá no Brasil”, diz, lembrando que Bolsonaro teve uma potente votação.

Sobre o governo Lula - que volta à presidência após amplo sentimento de rejeição a denúncias de corrupção de petistas, estará sob escrutínio popular a concretização de pautas sinalizadas ao eleitorado mais elitizado, a confirmação de apoios internacionais, a comunicação direta com as pessoas. 

Para ele, lideranças que despontam para 2026, caso Lula não seja mesmo candidato, são Simone Tebet, cotada para o Ministério da Educação, o governador mineiro Romeu Zema, que foi aliado e conseguiu reduzir a diferença entre Bolsonaro e Lula no segundo turno, Eduardo Leite, e também o ex-governador Geraldo Alckmin, vice-presidente alçado à gestão da transição entre os dois governos.

Outro lance a ser observado,  para a pacificação social, será a mecânica de recuperação da força do PT, a depender do diálogo com os partidos de centro, e a maneira como o novo governo irá atuar nas redes sociais e modernizar a comunicação com o cidadão.

Elias Pereira alinhava que o novo governo terá desafios em áreas esquecidas, como educação e emprego. Ele também aposta na figura de Valdemar Costa Filho como um aliado com poder de articulação e experiência para a composição entre o novo governo e o Congresso. “O governo Lula vai abraçar mais as causas sociais da esquerda (educação, combate ao racismo e homofobia), mas terá de compor com o centro para governar”, encerra ele.

 ‘Não sei, não quero saber e não quero saber de quem sabe’ 

MOGI-DUTRA Usuários foram impedidos de seguir viagem por bloqueios bolsonaristas (Mariana Acioli)

Intervenção militar/golpe
É quando as Forças Armadas (Aeronáutica, Marinha e Exército) intervêm no Estado. É um ato proibido no Brasil desde a Constituição de 1988, e, se adotado, se configura como um golpe militar.

 O conteúdo dos protestos golpistas após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém à baila o desconhecimento e a ignorância sobre a aplicação da Constituição Federal demonstrados por bolsonaristas em outras oportunidades, como quando tomaram as ruas  no dia 7 de setembro, pedindo a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).  

Entre ilegalidades descritas em cartazes e palavras durante atos antidemocráticos estavam os pedidos de intervenção militar e federal, a aplicação do artigo 142 da Constituição brasileira [que especifica a atuação das forças armadas, responsável pela defesa nacional diante de ataques externos e não internos e em caso de calamidades ou ameaças à lei e a ordem quando, por exemplo, as polícias dos estados têm dificuldades para agir], entre outros pleitos incompatíveis que movem  grupos inconformados com a vitória de Lula. 

Outros crimes são lembrados pelo advogado Luiz David Costa Faria, especializado em Direito Eleitoral e pós-graduado em Ciências Políticas. Entre eles, a apologia ao nazismo, o bloqueio de rodovias, uso de crianças como escudo. 

“O que vemos são pessoas que não entendem que não existe a possibilidade de uma intervenção federal após os resultados da eleição, realizada em dois turnos, como prevê o regime democrático, que dá a vitória a quem vencer no segundo turno com a maioria dos votos. Vemos um estímulo a um golpe, o que é previsto como crime pela Lei de Segurança Nacional”, resume. 

Estarrece flagrante de apologia ao nazismo, um crime previsto na Constituição a quem, entre outras coisas, fabrica ou promove símbolos da ideologia personificada por Adolf Hitler. 

Luiz David reforça que o conjunto de ideias infundadas e, muitas vezes, divulgadas como verdade em grupos e redes sociais, resulta da desinformação e desconhecimento sobre as leis brasileiras e a história da Guerra, situações amplamente divulgadas pelos meios de comunicação, literatura e etc. “Houve um derrame de informações falsas, sobretudo no período da eleição. Na véspera da eleição surgiu a informação de que a deputada Carla Zambelli havia sido presa, o que não era verdade, naquele momento”, diz. 

A difusão de inverdades e/ou interpretações infundadas, defende o advogado, “enfraquece a democracia. Nós temos 40 anos da Constituição, sucessivas eleições regulares e essa desinformação atinge a política, os partidos políticos e o tecido social porque uma parte das pessoas deixa de respeitar o que nós mesmo criamos (a Constituição) para nos organizarmos, delegando ao estado a gestão do país”. 

O advogado destaca que os absurdos sistematizados por extremistas resultam da falta de educação política e de controle mais ágil e rápido na disseminação das falsas informações. “A internet não é um território livre. A liberdade de expressão não dá o direito de se fazer um protesto em uma rodovia. Um protesto, com aviso antecipado, deve ser feito em local apropriado, uma praça, por exemplo. Na avenida Paulista, na Capital, um dia, ela é liberada para um partido, no outro, para outro, e isso para que não se torne uma convulsão, uma pancadaria entre ativistas”. 

Outro risco avaliado reside em um comportamento destes tempos, e não apenas no Brasil - o de pessoas que seguem determinadas lideranças e posturas e dizem, “não sei, não quero saber e não quero saber de quem sabe. Por isso, eu ouvi, na rua, pessoas dizendo coisas do tipo: o homem não chegou à lua, tem chip em vacina, ou como agora, que já há pessoas pedindo o impeachment do presidente eleito, antes mesmo de ele assumir. A prática de desacreditar o médico, o advogado, o físico, é muito perigosa”, opina.

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