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Saída bloqueada, extintor quebrado e mortes por asfixia: assim foi a tragédia na boate Kiss

Nesta quarta (1º), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul iniciou o julgamento de quatro réus do caso do incêndio da Boate Kiss, que, em 2013, resultou na morte de 242 pessoas, a maioria jovens universitários, em Santa Maria (SRS). Respondem por homicídio simples, além de tentativas de homicídios contra os 636 feridos, […]

1 de dezembro de 2021

Reportagem de: O Diário

Nesta quarta (1º), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul iniciou o julgamento de quatro réus do caso do incêndio da Boate Kiss, que, em 2013, resultou na morte de 242 pessoas, a maioria jovens universitários, em Santa Maria (SRS). Respondem por homicídio simples, além de tentativas de homicídios contra os 636 feridos, os empresários e sócios da casa noturna, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor musical Luciano Bonilha Leão. O acidente foi considerado a segunda maior tragédia da história do país, pelo número de vítimas em um incêndio, sendo superado apenas pelo caso do Gran Circus Norte-Americano, em 1961, em Niterói, que matou 503 pessoas.

No dia 27 de janeiro de 2013,  a Boate Kiss sediou a festa universitária ‘Agromerado’, mas o ambiente de festejo se transformou em desespero quando um sinalizador foi aceso pelo vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus, durante o show do grupo, por volta das 2h30. As centelhas disparadas pelo artefato atingiram parte do teto da boate, revestido por uma espuma para isolamento acústico, dando início ao fogo que rapidamente se alastrou. Com o incêndio, gases tóxicos foram liberados, o que causou as mortes, segundo a perícia. Muitas outras pessoas foram pisoteadas, em meio ao caos, também sofrendo ferimentos graves. 

No início do incêndio, extintores de incêndio não funcionaram, pois estavam fora da validade, e a rota de fuga era prejudicada pela falta de saída de emergência na casa noturna. Além disso, um grupo de seguranças ainda impediu que parte das vítimas saísse, no princípio da confusão, a mando dos donos, para que pagassem as contas, segundo as testemunhas. 

Durante os resgates, os bombeiros encontraram muitos corpos empilhados em frente à porta, e também nos dois banheiros da boate, locais para onde muitos dos jovens se dirigiram, na tentativa de escapar. Como só havia um acesso de entrada e saída, pessoas chegaram a quebrar uma parte da fachada, durante os resgates. 

As investigações mostraram que era comum o uso de sinalizador nos shows da Gurizada Fandangueira. O artifício usado naquele dia, porém, era proibido para ambientes fechados. 

Santa Maria é uma cidade com pouco menos de 300 mil habitantes, na Região Central do Rio Grande do Sul, e com muita presença de universitarios. No dia do incêndio, a festa reunia, principalmente, estudantes de seis cursos da Universidade Federal de Santa Maria.

As perícias dos corpos retirados da boate concluíram que toda as mortes ocorreram por asfixia. Além dos 231 óbitos no local, outras 13 pessoas faleceram nas semanas seguintes, enquanto tentavam se recuperar nos hospitais. A última morte foi confirmada quatro meses após o incêndio.

Em função da grande presença de universitários, sempre houve muitas boates na cidade. A Kiss, apesar de não ser a principal do município, segundo moradores, fazia parte dos estabelecimentos mais badalados. Segundo as investigações, porém, a casa estava repleta de irregularidades. A boate não possuía, por exemplo, o Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (PPCI), documento obrigatório. 

Para piorar, o alvará do estabelecimento estava vencido desde agosto de 2012, cerca de quatro meses antes do acidente. A capacidade oficial da boate, de 691 pessoas, conforme autorização dos Bombeiros, também não foi respeitada no dia do incêndio, e o inquérito apontou superlotação, com estimativas de até mil presente.

O inquérito da Polícia Civil de Santa Maria durou 54 dias e os quatro réus desta quarta chegaram a ser presos. Posteriormente, foram liberados, por habeas corpus, e suas defesas protelaram o julgamento até este ano. Apesar de, durante as investigações, terem se levantado fatos sobre omissões do poder público, o Ministério Público pede a prisão, hoje, de: Luciano Bonilha Leão, produtor musical da banda, que comprou e ativou o sinalizador;  Marcelo de Jesus dos Santos, o vocalista, que erguei o sinalizador em direção ao teto; Mauro Hoffman, um dos sócios da boate Kiss; e Elissandro Spohr, o outro sócio, que estava dentro da casa noturna naquele dia.

O julgamento terá início diariamente às 9h, e não parará aos fins de semana, devendo durar pelo menos 15 dias. De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), a expectativa é que o julgamento seja o mais longo da história do estado. Serão escutadas, ao todo, 20 testemunhas, escolhidas pelo MP e pelos advogados dos acusados, além de 14 vítimas. Entre as testemunhas, estão o ex-prefeito de Santa Maria César Schirmer e o Promotor de Justiça Ricardo Lozza. 

Além do julgamento no TJRS, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) também entrou com uma petição na Corte Interamericana de Direitos Humanos para que o estado brasileiro seja notificado, sobre o acidente.

— É incrível a quantidade de provas de omissão pública — afirma Paulo Carvalho, diretor jurídico da AVTSM, e que perdeu seu filho, Rafael, na tragédia. — A boate estava irregular, o inquérito diz isso. O incêndio poderia ter acontecido antes, por causa das péssimas condições. Desrespeitaram muitas leis, como a retirada de extintores dos pontos corretos, o fechamento dos dutos de circulação de ar, a colocação de barras aparafusadas no chão, impedindo rota de fuga. Já aa banda usou sinalizador mais barato, que era proibido, para economizar. A tragédia poderia ter sido evitada.

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